Mark Lotz Trio: “Turn On, Tune In, Drop Out!” (ZenneZ Records)

Mark Lotz Trio: “Turn On, Tune In, Drop Out!” (ZenneZ Records)

Zennez

António Branco

O trio do flautista Mark Alban Lotz, alemão radicado nos Países Baixos, está de regresso a um jazz mais declarado no novo disco, “Turn On, Tune In, Drop Out!”, na ZenneZ Records. A música gira em torno do “modelo dos oito circuitos da consciência” defendido pelo guru da LSD e do psicadelismo, Timothy Leary. A jazz.pt já o escutou.

Mark Alban Lotz é um mestre flautista nascido na Alemanha, a viver nos Países Baixos (onde se fixaram outros músicos relevantes dessa família de instrumentos, como Ronald Snijders e Peter Guidi), e que se tem vindo a distinguir no seio do efervescente panorama europeu do jazz mais estimulante e da música improvisada. O facto de ter vivido temporadas na Tailândia e no Uganda contribuiu decisivamente para uma abordagem estilística idiossincrática à exploração da família das flautas, para a qual confluem elementos do jazz, da livre improvisação e da música erudita contemporânea, arrolando também para este universo tradições musicais de diferentes geografias. «Tenho muita imaginação e interesses abrangentes que se traduzem em música», diz Lotz de si próprio.

Colaborando com gente tão diversa como Han Bennink, Don Byron, Chris Potter, Jason Robinson, Thomas Strønen e Ernst Reijseger (para apenas mencionar alguns), tem deixado bem vincado um especial interesse em projetos “intermédia”, envolvendo música, vídeo, artes plásticas, teatro e dança. Já pisou palcos portugueses em diversas ocasiões, designadamente em 2016 no MIA – Encontros de Música Improvisada de Atouguia da Baleia, e, dois anos depois, no Hot Clube, em Lisboa, entre outros locais. A jazz.pt acompanha há muito o seu percurso. Em 2014 demos nota de “Solo Flutes” (LopLop), o seu primeiro disco a solo, resultado de uma encomenda feita em 2013 pela Dutch Performing Arts Society e concluída durante uma jornada sabática em Berlim; em 2019 recenseamos “Live at the JazzCase” (El Negocito), que documenta uma apresentação do seu projeto Lotz of Music ao vivo na cidade belga de Neerpelt e também em trio com “The Wroclaw Sessions” (Audio Cave) – votado como um dos melhores discos desse ano pelo New Yotk City Jazz Record –, acompanhado pelos polacos Grzegorz Piasecki no contrabaixo e Wojciech Buliński na bateria.

O trio de Mark Alban Lotz regressa agora em segunda iteração, reformulado, com novo disco, “Turn On, Tune In, Drop Out!”, na ZenneZ Records, o vigésimo na carreira do flautista. Acompanham-no dois jovens mas já bastante rodados e proeminentes músicos da cena neerlandesa: o contrabaixista Zack Lober (oriundo de Nova Iorque) e o baterista Jamie Peet. A música do novo álbum gira em torno de uma bíblia do psicadelismo, o livro “Exo-Psychology”, publicado em 1977 por Timothy Leary, no qual o psicólogo clínico e escritor norte-americano, oriundo de Harvard, explanou o “modelo dos oito circuitos da consciência”, uma teoria sobre o que considerava serem as oito etapas da consciência humana. Desde os anos 1960 que Leary promoveu o uso terapêutico da dietilamida do ácido lisérgico, substância conhecida abreviadamente por LSD, no campo da psiquiatria, a partir do seu centro de operações em Millbrook, Nova Iorque. Adorado pela geração beatnick, foi apodado por Richard Nixon como «o homem mais perigoso da América».

«Este disco marca o meu regresso ao jazz», diz Mark Lotz; «jazz contemporâneo inspirado por uma hipótese psicadélica; mais: interativo, na vanguarda, abrangendo ritmo e melodia. Quando o tocamos é muitas vezes sem rede», sublinha o flautista em conversa com a jazz.pt. Sentindo uma pulsão para tocar com músicos neerlandeses, recordou os momentos, distintos, em que escutara Zack e Jamie tocar ao vivo e ficou atraído; de um lado, certamente, as raízes americanas; do outro, a ligação muito especial entre flauta e bateria, sendo que ambos gostam de tocar depressa. «Toco com Zack e Jamie vai para dois anos. Tivemos alguns concertos, não muitos... Metade das peças foram tocadas pela primeira vez em estúdio, a outra metade já conhecíamos», explica o flautista. A música que escutamos em “Turn On, Tune In, Drop Out!” é fresca e vibrante, articulando o rigor das composições com a urgência das improvisações. «Entendam como se fosse a última respiração. Jamie e Zack partilham essa concentração e atitude. Talvez vibe americana? Quando tocamos é “juntos e agora”. Mergulhamos juntos num baile de energia e nele dançamos.»

Inspirada pelo “Circuito Vegetativo Invertebrado No. 1”, sobre o nível de biosobrevivência durante a infância (atitudes de confiança ou suspeita), “Push” começa o disco em modo dinâmico, com a flauta do líder a voar sobre uma base rítmica assente num motivo proposto pelo contrabaixo que se repete e a bateria sublinha. Avança e sobrevive. “Beat the Drum” pega no “Circuito Emocional-Locomotivo No. 2”, a passagem do gatinhar para o andar; é introduzida pelo baterista que logo impõe um drive enérgico, em que a flauta pega para tergiversar livremente; a dado momento esta sai de cena e entra o contrabaixo para um bom solo. A melodia base é então revisitada, conduzindo a peça ao seu final. Partindo de uma pequena célula melódica que se vai desenvolvendo e transformando numa estrutura mais complexa, “Dance the Monolith” uma das melhores peças do disco, sublinha a estreita articulação entre flauta e contrabaixo, com a bateria a aditar pormenores e a puxar o trio para a frente.

Inspirado pelo “Circuito Socio-Sexual de Domesticação No. 4, “Lust” traz uma vocalização sem palavras que lança uma peça rápida e agitada, que ressoa energicamente por todo o corpo. Citando vários génios – Hermeto Pascoal e o seu “El Uovo”, John Lennon e Paul McCartney via “Tomorrow Never Knows” e ainda com uma vénia a Yusef Lateef (“Nile Valley Blues”) – “Relax and Flow” põe de alguma forma água na fervura com a sua atmosfera swingantemente fresca; espantam a agilidade da flauta e a efervescência da secção rítmica, sempre com muito por dizer. “Bring Delight” funda-se no “Circuito Neurosomático No. 5”, desenhado para ser usado em gravidade-zero, e mantém alta a rotação; emerge novo momento em que o contrabaixista assume protagonismo. É um prazer atentar na linha sinuosa proposta pela flauta, sempre a autodesafiar-se e a instar os demais instrumentos para uma interação muito próxima. A arquitetura austera de “Conciousness” faz desta outra das melhores peças do disco. Espécie de sincronismo de todos os fenómenos, ligados pela linha rítmica.

O contrabaixista dá o mote para uma jovial “Isabel” (homenagem a Isabel Cabanillas de la Torre, vítima de feminicídio em 2020, em Ciudad Juarez, cidade mexicana de todas as violências), que espelha não apenas um lado enérgico, mas também a tristeza e o amor de uma vida que acabou mal. Tendo como mote o “Circuito Neurogenético No. 7, “Up!” mostra de novo a importância da dupla rítmica, numa peça rápida e plena de energia. Ao cair do pano, a espiritualidade serena de “Trance Out”, feita do cruzamento de duas belas linhas melódicas (com recurso ao bansuri indiano) transporta-nos para um lugar longínquo, que afinal pode estar aqui bem perto.

“Turn On, Tune In, Drop Out!”, o regresso de Mark Lotz a um jazz mais declarado, é um disco vibrante e enérgico, que faz soar os alarmes.

 

  • Turn On, Tune In, Drop Out!

    Turn On, Tune In, Drop Out! (Zennez)

    Mark Lotz Trio

    Mark Alban Lotz (flautas, efeitos, composições); Zack Lober (contrabaixo); Jamie Peet (bateria)

Agenda

04 Outubro

Carlos Azevedo Quarteto

Teatro Municipal de Vila Real - Vila Real

04 Outubro

Luís Vicente, John Dikeman, William Parker e Hamid Drake

Centro Cultural de Belém - Lisboa

04 Outubro

Orquestra Angrajazz com Jeffery Davis

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

04 Outubro

Renee Rosnes Quintet

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

05 Outubro

Peter Gabriel Duo

Chalé João Lúcio - Olhão

05 Outubro

Desidério Lázaro Trio

SMUP - Parede

05 Outubro

Themandus

Cine-Teatro de Estarreja - Estarreja

06 Outubro

Thomas Rohrer, Sainkho Namtchylak e Andreas Trobollowitsch

Associação de Moradores da Bouça - Porto

06 Outubro

Lucifer Pool Party

SMUP - Parede

06 Outubro

Marta Rodrigues Quinteto

Casa Cheia - Lisboa

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