KAZE & Ikue Mori: “Crustal Movement” (Circum-Libra Records)
Circum-Libra Records
O quarteto KAZE, formado por Christian Pruvost e Natsuki Tamura no trompete, Satoko Fujii no piano e Peter Orins na bateria, juntou-se à exploradora Ikue Mori. “Crustal Movement” é o segundo disco em parceria.
A crosta terrestre é formada por placas tectónicas, que se movimentam deslizando pelo magma sobre o qual se situam. Este movimento - que pode ser convergente, divergente ou transformante - é o que leva à formação de vulcões ou terramotos. Se adotarmos uma postura romântica e pensarmos no free como uma dessas duas coisas, ou talvez até ambas em simultâneo, poderíamos pensar à partida que não haveria outro título para dar a um trabalho onde à crueza de dois trompetes é acrescentada uma percussão nervosa e um borbulhar eletrónico.
“Crustal Movement” é o segundo disco a juntar o quarteto KAZE, formado por Christian Pruvost e Natsuki Tamura no trompete, Satoko Fujii no piano e Peter Orins na bateria, a Ikue Mori, artista consagrada pelo punk irregular dos saudosos DNA (Lester Bangs, ao vê-la na bateria, disse dela que metia Sunny Murray no bolso), e logo depois aclamada pelos campos da música mais dedicados à experimentação do que ao género. À semelhança de quase tudo em 2023, é um disco nascido na pandemia, composto a partir de esquemas traçados e compostos individualmente, e depois partilhados entre cada músico, através da internet. Com um twist: Pruvost e Orins, ambos a residir em Lille, França, pegaram no que os seus companheiros haviam feito e tocaram por cima dessas composições, ao vivo, perante uma plateia.
Desta junção entre o mundo do estúdio e o mundo dos vivos nasce porém uma obra que, apesar do título, não parece disposta a provocar uma destruição sísmica ou uma explosão vulcânica. Há demasiados silêncios, que é como quem diz: não é tão agressivo quanto se supunha. O suspense inicial de “Masoandro Mitsoka” é ligeiramente enganador, desaguando num duelo entre os dois trompetes apenas interrompido por uma ocasional estalada (nem sequer chega a soco) percussiva e pelo balbuciar digital de Mori, até o piano, no final, apaziguar os ânimos. O próprio Fujii admitiu-o: «a música pode soar mais silenciosa do que quando tocamos ao vivo».
“Crustal Movement” será, assim, melhor apreciado num outro tipo de contextos que não implique escutá-lo em casa. Recorrendo apenas a um computador e a um par de colunas, é um daqueles sismos que não chega a três pontos na escala de Richter, e do qual só tomamos conhecimento quando os telejornais nos dizem que aconteceu. O que não quer dizer que o potencial para o caos não esteja lá. “Motion Dynamics” conta com a “Matrix” de Mori em proeminência sob disparos de bateria, “Shifting Blocks” ameaça causar estragos até se calar para deixar passar o ritmo, e a última faixa, que dá nome ao disco, é aquilo que este deveria ter sido sempre: geométricas maradas e gritos. Venham daí esses concertos.
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Crustal Movement (Circum-Libra Records)
KAZE & Ikue Mori
Christian Pruvost (trompete); Natsuki Tamura (trompete); Satoko Fujii (piano); Peter Orins (bateria) + Ikue Mori (eletrónica)