MultiTraction Orchestra: “Reactor One” (Superpang)
Superpang
Três anos após o primeiro single, “emerge entangled”, “Reactor One” é o álbum inaugural da MultiTraction Orchestra, liderada pelo guitarrista, compositor e produtor Alex Roth, na editora Superpang. À formação junta-se o trompetista norueguês Arve Henriksen para um álbum multímodo e desafiante. A jazz.pt já o escutou.
Há três anos foi o single de estreia, “emerge entangled” (assim mesmo), peça de uma dezena de minutos interpretada por 27 músicos provenientes de 15 cidades de oito países, o que é muito revelador, se atendermos ao facto de ter sido gravada no pico pandémico. A obra atraiu as atenções de gente influente como o DJ e radialista francês Gilles Peterson, fundador da Talking Loud de boa memória. Chega agora “Reactor One”, o muito antecipado álbum de estreia da MultiTraction Orchestra, desta feita na editora Superpang.
A formação, liderada pelo guitarrista, produtor e artista transdisciplinar Alex Roth – nascido em Detroit, criado em Londres e atualmente baseado em Cracóvia, Polónia (geografias seminais) – assume uma configuração variável, capaz de guindar o som em múltiplas direções. Ao atual sexteto – onde pontificam outros nomes importantes das músicas experimentais e improvisadas, com o palhetista James Allsopp (Sly And The Family Drone), o superlativo harpista Rhodri Davies (Hen Ogledd, de entre múltiplas colaborações na cena da livre improvisação, mas não apenas), a violoncelista irlandesa Kate Ellis, a baixista Ruth Goller (Skylla, Melt Yourself Down) e o baterista Jon Scott (GoGo Penguin) – junta-se, como convidado especial, o trompetista norueguês (baseado em Gotemburgo, Suécia) Arve Henriksen, músico de impressionante percurso.
Após dois anos no laboratório, o grupo propõe uma experiência sónica abrangente e imersiva para a qual confluem elementos de distintos tabuleiros sonoros, do jazz às experimentações eletrónicas, da música de câmara contemporânea ao pós-rock. As seis peças do álbum foram compostas mais uma vez de forma colaborativa e gravadas remotamente entre fevereiro e setembro de 2021. No plano conceptual, “Reactor One” sugere um local imaginário onde a energia é produzida através de um processo de experimentação e fusão em condições extremas. Que melhor metáfora para um álbum forjado durante uma pandemia global, em plena crise energética e com as alterações climáticas a exacerbar tudo? O que escutamos revela uma compreensão mútua profunda e implícita entre os músicos envolvidos e, apesar do cariz mais experimental e turbulento de alguma da música, revela passagens contemplativas e de profunda beleza.
Na base estiveram os esboços que Roth preparou na guitarra, como o próprio explica: «O processo de gravação foi muito semelhante ao de “emerge entangled”. Apresentei peças de guitarra e pedi aos músicos para gravar as respostas, que poderiam ser totalmente improvisadas, completamente elaboradas ou qualquer coisa no meio.» Como os vários músicos não podiam ouvir as contribuições uns dos outros, Roth compôs as peças iniciais para funcionarem como a argamassa que daria coesão aos tijolos, independentemente do material poder, ou não, chegar à mistura final. «Isso significava que as peças iniciais precisavam ser abertas o suficiente (harmónica e ritmicamente) para permitir respostas variadas, mas específicas o suficiente na atmosfera para fornecer estruturas para cada peça», acrescenta. As exceções a esta metodologia de trabalho foram as partes de James Allsopp e Arve Henriksen, que foram registadas quando eu Roth já tinha arranjos para as peças e uma ideia clara do que queria que eles acrescentassem.
“Reactor One, Part I”, em jeito de prelúdio, traz o trompete solene de Henriksen (a trazer à memória os noruegueses Supersilent), a que se junta o contrabaixo e as linhas discretas de James Allsop no clarinete baixo, numa melodia que parece provir da noite dos tempos. Consideravelmente distinta em termos estruturais e de timbres é “Reactor One, Part II”, com as percussões complexas de Jon Scott, a guitarra do líder em trabalho textural e a conferir densidade e Allsop aqui no saxofone tenor, a voar, massa sonora em crescendo de intensidade até tudo lentamente se esvair em silêncio. De “Reactor One, Part III” eleva-se o som da harpa elétrica de Rhodri Davies que desencadeia reposta de baixista e violoncelista, envoltas num etéreo manto eletrónico.
“Reactor One, Part IV” assume uma natureza mais camerística, com Henriksen de novo a conduzir os destinos melódicos, com o seu fraseio melancólico que remete para as paisagens geladas do seu país natal, antes de a percussão e as eletrónicas ferverem em lume brando. Da densa “Reactor One, Part V” sobressai novamente o clarinete baixo de Allsopp, com a formação a parecer entregar-se a um exercício de levitação coletiva. A função encerra com “Reactor One, Part VI”, de atmosfera serena e particularmente imagética, com o violoncelo a urdir uma camada a que se alia outra eletrónica, convidando à introspeção.
Espanta a forma como estes músicos, não partilhando um mesmo espaço, logram notável intimidade e sentido de interação. Feito de paisagens sonoras em constante mutação, da tempestade ao silêncio abissal, “Reactor One”, escutando-se em toda a sua amplitude, é uma proposta assaz interessante.
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Reactor One (Superpang)
MultiTraction Orchestra
Alex Roth (guitarra elétrica, sintetizadores); Arve Henriksen (trompete, trompete piccolo); James Allsopp (clarinete baixo, saxofone tenor); Rhodri Davies (harpa elétrica); Kate Ellis (violoncelo); Ruth Goller (baixo elétrico); Jon Scott (bateria)