Frank Gratkowski / Simon Nabatov: “Tender Mercies” (Clean Feed)

Frank Gratkowski / Simon Nabatov: “Tender Mercies” (Clean Feed)

Clean Feed

António Branco

“Tender Mercies”, com selo da Clean Feed, é o terceiro registo do duo formado pelo palhetista Frank Gratkowski e pelo pianista Simon Nabatov, elevando aos píncaros uma notável cumplicidade musical, sempre desafiante e disposta a surpreender. A jazz.pt já o escutou.

A frutífera relação musical entre Frank Gratkowski (n. 1963) e Simon Nabatov (n. 1959) remonta há mais de três décadas e tem vindo a ser burilada em diferentes contextos e configurações instrumentais. Tudo começou quando ambos integravam os ensembles alargados de Klaus König; não tardou que começassem a interpretar leituras musicais de literatura russa ou a colaborar como membros de diversas formações ad hoc. Bastará lembrar momentos como “Time Labyrinth” (Leo Records, 2019), em septeto, “Readings – Red Cavalry” (Leo Records, 2019), onde aos dois se juntam a voz de Phil Minton, as eletrónicas de Marcus Schmickler e a bateria do enorme Gerry Hemingway – ou “Dance Hall Stories” (Leo Records, 2020), com o baterista Dominik Mahnig.

“Tender Mercies” é o terceiro disco do duo e aquele em que logram os mais altos níveis de empatia e maturidade. Neste contexto, os dois são exímios a explorar o âmago da música improvisada, a interação sem rede em tempo real, os diálogos abertos, mas sempre imprevisíveis, a surpresa que se revela a cada instante, mesmo para os próprios. Seja nas melodias mais pungentes ou nas secções em que se entregam a complexos jogos de abstração, a música da dupla é elegante e vigorosa. Gravado ao vivo no LOFT, em Colónia, em janeiro de 2022, por Christian Heck e misturado e masterizado por Stefan Deistler (nomes mencionados pela decisiva contribuição para o que se escuta), “Tender Mercies” acrescenta pontos em relação, por exemplo, ao que os dois arquitetaram no inescapável “Myrthful Myths” (Leo Records, 2017), cuja audição em paralelo com este novo registo não deixa de ser um exercício estimulante.

Nabatov costuma celebrar o seu aniversário com um concerto no LOFT, acompanhado por um ou dois amigos, a que invariavelmente se segue uma festa com comida e bebida russas (prática que poderá encontrar obstáculos na hodierna era de cancelamento da grande cultura russa). Uma audição atenta de “Tender Mercies” deixa logo clara a alegria que é para os dois tocarem juntos. Uma vertigem de emoções concomitante com um lado telepaticamente cerebral que a música amiúde revela. Os dois jogam com o baralho todo: técnicas, motivos, sensibilidade, tudo é convocado e explorado com espantosa minúcia e poder expressivo. É notável a forma como desenvolvem as improvisações, numa insondável relojoaria, livre e espontânea. Tudo é aqui feito com um propósito, nada é avulso ou despiciendo. Mesmo nos momentos mais tranquilos, a interação é vívida e precisa.

 A jornada inicia-se com a sofisticação melódica de “Turn of Events”, a mais extensa peça desta coleção, com as notas cristalinas do piano de Nabatov dançando com o saxofone alto de Gratkowski, num jogo de subidas e descidas, de ação e reação, com picos de adrenalina elevando-se aqui e ali. A dado momento, a peça torna-se mais abstrata, exacerbando as angulosidades propostas por Nabatov, a que Gratkowksi responde com técnicas menos convencionais e espirais de som. Na peça que dá título ao álbum, Gratkowski recorre à doçura da flauta para criar uma atmosfera onírica, sublinhada pelo piano esparso e solene do moscovita.

“Safe Home”, ao invés do que o título parece induzir, é nervosa, com Gratkowski a recorrer ao clarinete, explanando uma ideia em cujo encalço logo o piano se lança. Já no saxofone, o alemão adota uma postura vincadamente jazzística, num final de grande beleza. Ambientes requintados emergem de “Cagey”, com Gratkowski no clarinete baixo; “Layers of Disguise” de certa forma dá ênfase à dimensão mais enigmática e sombria da música do duo, com ambos a demonstrarem uma bem documentada propensão para a interação focada e assertiva. Em “Surfaces”, de contornos impressionistas, escutamos o alemão superlativo no clarinete, num dos melhores momentos do disco. “Disgruntled Settlement” encerra o álbum na máxima potência, com saxofonista e pianista a entabularem profícuo diálogo, que surpreender (e indubitavelmente estimula) os próprios.

Exponenciando uma íntima alquimia sonora, Frank Gratkowski e Simon Nabatov fazem de “Tender Mercies” um álbum extraordinário.

 

  • Tender Mercies

    Tender Mercies (Clean Feed)

    Frank Gratkowski / Simon Nabatov

    Frank Gratkowski (saxofone alto, flauta, clarinete, clarinete baixo); Simon Nabatov (piano)

Agenda

01 Junho

André Santos e Alexandre Frazão

Café Dias - Lisboa

01 Junho

Beatriz Nunes, André Silva e André Rosinha

Brown’s Avenue Hotel - Lisboa

01 Junho

Ernesto Rodrigues, José Lencastre, Jonathan Aardestrup e João Sousa

Cossoul - Lisboa

01 Junho

Tracapangã

Miradouro de Baixo - Carpintarias de São Lázaro - Lisboa

01 Junho

Jam session

Sala 6 - Barreiro

01 Junho

Jam Session com Manuel Oliveira, Alexandre Frazão, Rodrigo Correia e Luís Cunha

Fábrica Braço de Prata - Lisboa

01 Junho

Mano a Mano

Távola Bar - Lisboa

02 Junho

Rafael Alves Quartet

Nisa’s Lounge - Algés

02 Junho

João Mortágua Axes

Teatro Municipal da Covilhã - Covilhã

02 Junho

Júlio Resende

Fábrica Braço de Prata - Lisboa

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