Mamute: “Unmute” (AsUR / Inner Circle Music)

Mamute: “Unmute” (AsUR / Inner Circle Music)

AsUR/Inner Circle Music

António Branco

São cinco músicos com créditos mais do que reconhecidos no panorama nacional e que se cruzaram no passado em diversas ocasiões e contextos. A jazz.pt já escutou “Unmute”, disco de estreia do quinteto Mamute.

O jazz nacional é por vezes fértil em supergrupos. O quinteto Mamute é um deles; formam-no o guitarrista Ricardo Pinheiro, o saxofonista César Cardoso, o pianista Óscar Graça, o baixista Miguel Amado e o baterista Joel Silva. A ideia para a constituição do projeto partiu de Miguel Amado, que queria dar início a um novo grupo em que todos fossem líderes. «Aceitámos o convite, pois é sempre uma oportunidade para escrever nova música. Conhecemo-nos bem, já todos tocámos juntos em várias situações, mas nunca com esta formação, e isso, foi um novo desafio, ver e ouvir o que saía desta reunião», explica o baterista Joel Silva à jazz.pt. O nome para o grupo também tem que ver com este espírito de amizade e partilha que se consolidou entre os cinco músicos ao longo dos anos: «Uma coisa que todos temos em comum é um sentido de humor espontâneo, isso ajudou na música e na escolha do nome, queríamos um nome forte, de peso, mas que não fosse demasiado sério, ficou Mamute.»

“Unmute” é o registo de estreia da formação, com selo da AsUR (editora criada em 2020 por Pinheiro e Amado) em parceria com a Inner Circle Music, com curadoria do saxofonista Greg Osby. Cada um dos membros do grupo assina duas das dez peças que constroem o álbum, o que revela o caráter coletivo (e democrático) do processo criativo da formação. «Uma das premissas iniciais do projeto, sendo os cinco elementos compositores, era todos trazerem música original para ser trabalhada em conjunto. Chegámos a esse consenso de cada um trazer duas composições, e, se todas se enquadrassem bem, o disco ficaria com dez temas. E foi o que aconteceu», sublinha Miguel Amado. Este é um dos pontos-chave da formação, o facto de todos contribuírem como compositores para o repertório do grupo, a produção do disco e os arranjos dos temas, o que «enriquece a ligação de cada um individualmente com o resultado final», acrescenta o baixista.

Por essa razão, “Unmute” é um disco diverso, com composições de alargado espetro estilístico, que acabam por se complementar, «unidas pela voz interpretativa, improvisativa e composicional dos músicos que nele participam», tal como realça o guitarrista Ricardo Pinheiro, que também sublinha a traço grosso o ambiente criado no seio do grupo: «É um disco que nos deu muito gosto “montar” e gravar: o ambiente entre os músicos não podia ser melhor, as diferentes conceções musicais articulam-se e complementam-se na perfeição e os concertos que demos até à data foram um sucesso».

Apesar das personalidades vincadas de cada um cinco músicos, há aqui um denominador comum, que leva a concluir que todos escreveram música a pensar nas características específicas dos comparsas. É o saxofonista César Cardoso quem nos revela um pouco do modus operandi do grupo: «A composição dos temas foi realizada já depois da escolha dos músicos e naturalmente que a personalidade de cada músico foi tida em conta, não deixando de demonstrar também a personalidade de cada compositor.»

O álbum abre com “Eighteen”, composição de César Cardoso que traz um andamento médio-rápido e uma métrica de 18 tempos, logo denunciada pelo título. O piano lança o tema-base exposto em uníssono por guitarra e saxofone, suportado por um groove aceso. Pianista e saxofonista assinam bons solos, antes da reexplanação temática. O balanço moderadamente rock de “Epic People”, da autoria do baixista. é interpelado pela agilidade pianística de um Óscar em estado-de-graça. A guitarra processada de Pinheiro assume a espaços os destinos da peça, alternando com o saxofonismo maduro de Cardoso, todos convergindo num crescendo de intensidade.

Composta pelo pianista num contexto diferente e depois engavetada, “Uncertain Song” foi resgatada ao olvido e em boa hora reciclada pelo quinteto. Peça de atmosfera apaziguadora, conta, pela única vez no álbum, com um quase impercetível sintetizador, na melodia da segunda parte. “Y”, de Joel Silva, organiza-se em torno de três secções contrastantes e começa com ruminações de guitarra e baixo que lançam uma peça para a qual confluem elementos do jazz (as harmonias ricas trazidas por Óscar Graça, o saxofone fluido), e do rock (a guitarra assertiva de Pinheiro, a sólida secção rítmica). Saída da pena de Ricardo Pinheiro, “Depois do Silêncio” é uma balada complexa em termos harmónicos, mas muito elegante, quase ao jeito de canção (conseguimos escutar uma voz sem ela efetivamente lá estar), conduzida pela doçura do saxofone, a guitarra sempre próxima, o piano a pontuar harmonicamente, a secção rítmica competentíssima. O grupo opta aqui por uma abordagem mais simples e de suporte à melodia e às intervenções solísticas.

Ao dinamismo rítmico de “Rede Sem Queda” (de Óscar Graça) segue-se “Nossa História”, da autoria do baixista, é alegre e quase dançável, parecendo oscilar entre dois polos contrastantes, mas complementares, com o piano no centro, até que Pinheiro irrompe com um dos melhores solos da jornada. Amado também sola, e bem. “The Search”, do guitarrista, é provavelmente a composição que mais assenta na linguagem e energia do jazz; “TH” é outra balada (esta de Cardoso) em que o grupo assume uma postura descontraída e que fornece adequado suporte a cada solista. A peça que dá título ao disco e seu epílogo, é de uma leveza quase pop, sobretudo no plano harmónico (versões de trabalho do arranjo chegaram a incluir vozes para sublinhar as melodias, mas não chegaram ao disco.)

“Unmute” é um disco sóbrio e eclético em termos temáticos, repleto de momentos interessantes, que acrescenta pontos não despiciendos ao pecúlio de cada um dos membros do quinteto.

 

 

 

  • Unmute

    Unmute (AsUR/Inner Circle Music)

    Mamute

    Ricardo Pinheiro (guitarra elétrica); César Cardoso (saxofones); Óscar Graça (piano); Miguel Amado (baixo elétrico); Joel Silva (bateria)

Agenda

30 Março

Johannes Gammelgaard

Café Dias - Lisboa

30 Março

Pedro Branco e João Sousa “Old Mountain”

Miradouro de Baixo - Carpintarias de São Lázaro - Lisboa

30 Março

Marmota

Casa Cheia - Lisboa

30 Março

Filipe Raposo e Uriel Herman “Dois pianos, um universo”

Centro Cultural de Belém - Lisboa

30 Março

Inês Camacho

Cossoul - Lisboa

30 Março

Abyss Mirrors Unit

ZDB - Lisboa

30 Março

Daniel Levin, Hernâni Faustino e Rodrigo Pinheiro

Biblioteca Municipal do Barreiro - Barreiro

31 Março

Blind Dates

Porta-Jazz - Porto

01 Abril

Elas e o Jazz

Auditório Municipal de Alcácer do Sal - Alcácer do Sal

01 Abril

Ill Considered

Musicbox - Lisboa

Ver mais