Vários: “Here It Is: A Tribute to Leonard Cohen” (Blue Note)
Blue Note
A editora Blue Note apresenta um álbum de tributo a Leonard Cohen recheado de estrelas. A música de Cohen é intensa e intemporal. Esta homenagem não.
Já sabemos que os álbuns de tributo podem ter resultados variáveis, dependendo dos intervenientes. Tratando-se do mestre Leonard Cohen, o poeta tornado cantor, uma das figuras inescapáveis da música popular do século XX, o desafio era desde logo pesado, não apenas pela dimensão do cancioneiro coheniano, mas sobretudo porque é necessária muita coragem para desafiar a intensidade das interpretações originais. O único que o conseguiu fazer com sucesso, e suplantar o original, terá sido Jeff Buckley, fazendo “Hallelujah” sua; refira-se, contudo, que Buckley se aproveitou do trabalho de adaptação que John Cale já havia feito, numa já belíssima versão despida à essência no piano, e que o filho de Tim Buckley tratou de aprimorar, com a guitarra elétrica esparsa. Para lá desta brilhante exceção, poucos se conseguiram aproximar dos originais de Cohen.
Para esta homenagem, “Here It Is: A Tribute to Leonard Cohen”, editada com o selo Blue Note, a curiosidade era elevada, desde logo por incluir alguns dos nomes mais relevantes do catálogo (e do jazz contemporâneo), como Bill Frisell e Immanuel Wilkins, representantes de duas gerações que aqui se encontram. Este disco não é uma amálgama de covers variadas, como muitas vezes acontece; este disco é um projeto planeado e resulta do trabalho de um produtor, Larry Klein, que era amigo próximo de Cohen. Klein reuniu uma banda “all star”, com os já referidos Frisell (guitarra) e Wilkins (saxofones), juntando-se ainda Kevin Hays (piano), Scott Colley (contrabaixo) e Nate Smith (bateria); e contributos pontuais de Greg Leisz (guitarra pedal steel) e Larry Goldings (órgão). Músicos de nível alto, expectativa igualmente alta.
A banda instrumental prometia, mas os músicos raramente se ouvem com liberdade, pois a sua função aqui é quase sempre apoiar os cantores, criando tapetes instrumentais secundários. As únicas exceções são os dois únicos temas exclusivamente instrumentais, “Avalanche” (com o saxofonista de “The 7th Hand” a mostrar-se um pouco mais expansivo) e “Bird on the wire” (Frisell numa revisão límpida e direta, a fechar o disco) – neste caso não é surpresa, uma vez que o guitarrista se serve muitas vezes canções clássicas americanas.
Neste disco o foco está mesmo na voz e a lista de vozes convidadas é diversa, cruza diferentes gerações e cantores de distintos universos estéticos. Participam Norah Jones, Peter Gabriel, Gregory Porter, Sarah McLachlan, Luciana Souza, James Taylor, Iggy Pop, Mavis Staples, David Gray e Nathaniel Rateliff. Como nota positiva, encontramos aqui vozes de quem tínhamos saudades, particularmente Peter Gabriel e Sarah McLachlan; é um prazer vermos por aqui o gigante Iggy Pop que, não estando no seu registo habitual, se mostra impecável a recriar o Cohen da última fase (“You Want It Darker”); Norah Jones aproxima-se do registo de Cohen (a abrir o disco, “Steer Your Way”); e a brasileira Luciana Souza, mulher do produtor Klein, está muito competente em “Hey, That’s No Way to Say Goodbye” – talvez tenha sido sugestionado, mas por vezes parece lembrar Joni Mitchell (curiosidade: com quem Klein foi também casado, entre 1982 e 1994).
As vozes são sempre eficazes, com interpretações honestas e reverentes, mas não deixam marcas; o tapete instrumental é cristalino, desde logo com a guitarra de Frisell a marcar o ambiente; o saxofone de Wilkins está contido, discreto, sem espaço para se mostrar; e a restante banda mostra competência e sobriedade. Daqui resulta que as canções soem globalmente anódinas, demasiado mornas, demasiado pastel. São seguras e confortáveis, mas não têm a capacidade de nos eriçar os pêlos.
Sendo naturalmente impossível incluir todas as nossas canções favoritas, é estranho que se deixem de foram temas como “Chelsea Hotel #2” (a sua dedicatória a Janis Joplin), “I’m Your Man” (o hino da sua segunda vida), “Dance Me to the End of Love”, “So Long, Marianne” (vale a pena ver o documentário “Marianne & Leonard: Words of Love”), “Tower of Song”, “The Partisan”, “First We Take Manhattan”, “Came So Far for Beauty”, “Everybody Knows” e tantas outras que se poderiam indicar; aplauda-se a inclusão de “Famous Blue Raincoat” e “Avalanche” (serão as canções de amor e ódio as suas melhores?).
Até se poderia lembrar o mais glorioso falhanço da sua discografia, “Death of a Ladies’ Man”, através de “Memories” (o infame Phil Spector quis sempre meter mais onde se pedia menos, e para Cohen bastava colar a palavra com a melodia). Numa compilação da Blue Note poderia mesmo entrar a atípica “Jazz Police”, porque há muitos por aí (e nós, os críticos, somos os maiores polícias do jazz). Falando de setlists, é inevitável lembrar ainda o invejável alinhamento da atuação de Cohen em Algés, no ano de 2008 (e, numa nota pessoal, a alegria de ter testemunhado ao vivo aquela imensa gravidade).
De uma homenagem da Blue Note, editora que marcou uma era dourada do jazz e tem aproveitado essa história e élan para continuar a marcar posição no jazz do século XXI, esperaríamos uma homenagem mais aventureira; certamente, se houvesse um maior pendor instrumental, talvez se aproximasse de alguma intensidade coheninana. Um exemplo de um trabalho de homenagem em forma de reinvenção criativa é o disco “A Day In the Life: Impressions of Pepper” (Impulse!, 2018), uma revisão jazzística contemporânea instrumental, onde os temas beatlianos são descascados até ficarem quase irreconhecíveis. Este “Here It Is” nem sequer se aproxima no arrojo, é uma revisão limpinha e elegante que facilmente será esquecida. Do rico e vasto cancioneiro de Cohen será possível explorar muitas direções, ficamos a aguardar propostas mais criativas, desafiantes e cativantes.
Citando a ausente “Chelsea Hotel #2”, deste disco não ficarão muitas memórias: «That’s all, I don’t even think of you that often».
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Here It Is: A Tribute to Leonard Cohen (Blue Note)
Vários
Norah Jones, Peter Gabriel, Gregory Porter, Sarah McLachlan, Luciana Souza, James Taylor, Iggy Pop, Mavis Staples, David Gray e Nathaniel Rateliff (voz); Bill Frisell (guitarra); Imannuel Wilkins (saxofones); Kevin Hays (piano); Scott Colley (contrabaixo); Nate Smith (bateria); Greg Leisz (guitarra pedal steel); Larry Goldings (órgão); Larry Klein (produção)