Janel Leppin: “Ensemble Volcanic Ash” (Cuneifom)

Janel Leppin: “Ensemble Volcanic Ash” (Cuneifom)

Cuneiform

António Branco

Baseada em Washington D.C., a violoncelista, compositora e improvisadora Janel Leppin acaba de editar na Cuneiform o volume inaugural do seu Ensemble Volcanic Ash, espelho do cruzamento de múltiplas referências sónicas. A jazz.pt já o escutou.

A violoncelista, compositora e improvisadora (por vezes também cantora) Janel Leppin (n. 1981) não é propriamente uma novata, embora o seu nome seja virtualmente desconhecido entre nós. De facto, tem vindo a trilhar um percurso que já tem mais de duas décadas, tergiversando entre o jazz e a música erudita contemporânea, com traços punk pelo meio, sempre com o violoncelo como versátil alfaia.

Enquanto estudava a tradição clássica ocidental, mergulhou na próspera cena punk e hardcore de Washington D.C. na década de 1990. Corporizando uma síntese singular de universos musicais, Leppin é conhecida sobretudo por via do duo de experimentadores Janel and Anthony, que mantém com o marido e colaborador frequente, o guitarrista Anthony Pirog (também dos Messthetics). De entre as suas gravações a solo, destacam-se “Mellow Diamond” e “Songs for Voice and Mellotron”, ambas de 2016, e “American God”, do ano seguinte. Nos últimos anos colaborou também com a compositora e guitarrista de pedal steel Susan Alcorn (atente-se no álbum “The Heart Sutra”, de 2020).

Depois de quase duas décadas de incubação na cena fervilhante do jazz e das músicas improvisadas de D.C., emerge o Ensemble Volcanic Ash, fruto de uma mente sempre inquieta; nesta formação explora um jazz de câmara que acomoda elementos de diversos quadrantes sónicos, dando um passo decisivo na sua afirmação enquanto líder por direito próprio. O nome do grupo e título do álbum vêm da experiência de Leppin num voo de avião desviado durante a erupção de 2010 do vulcão Eyjafjallajokull, na Islândia, após uma longa digressão europeia.

A Leppin juntam-se no registo inaugural da formação, com selo da Cuneiform, o já mencionado Pirog na guitarra, o saxofonista tenor Brian Settles, a saxofonista alto Sarah Hughes, a harpista Kim Sator, o contrabaixista Luke Stewart e o baterista Larry Ferguson, músicos com ligações cruzadas em diferentes projetos (por exemplo, Settles é o saxofonista do Silt Trio, liderado por Stewart; o álbum "The Bottom" foi recenseado na jazz.pt aqui). «Trabalhei com alguns destes músicos por mais de uma década e acho que isso transparece na música», sublinha a violoncelista, que considera que a cena criativa da capital dos EUA é «um lugar distinto para aprender e experimentar coisas novas».

O Ensemble é um corpo que parece mover-se em várias direções ao mesmo tempo, no qual coabitam jazz, música de câmara, erudita contemporânea, art rock e eletrónica, num todo saudavelmente inclassificável, como se resultasse de uma acreção imaginária entre o rigor camerístico dos Bang on a Can, as explorações do saxofonista Roscoe Mitchell e o rock abrasivo de uns Sonic Youth. A formação tem muitas oportunidades para brilhar, mas são as composições de Leppin que ressaltam: elegantes e cruas, cerebrais e ao mesmo tempo cheias de emoção, a espaços fortemente imagéticas. A música que aqui escutamos é detalhada e plena de um requinte esdrúxulo, fazendo uso criterioso das pedras tímbricas que tem à sua disposição, não descurando subtilezas harmónicas e um vincado apreço pela dimensão melódica, outros traços distintivos da sua abordagem.

A escrita de Leppin tem em conta as características centrais das personalidades idiossincráticas de quem a acompanha, muitas vezes esbatendo a fronteira entre solista e acompanhadores. A paleta sonora abrangente do grupo e os vastos recursos texturais espoletaram a criatividade de Leppin, que não se faz rogada: «Isso libertou-me», refere a violoncelista. «Ter Luke Stewart na banda deu-me a oportunidade de me soltar mais. Poderia estar mais vezes num registo médio e solar com mais frequência. Com esse tipo de apoio descobri que poderia tocar de forma mais assertiva, como os meus violoncelistas favoritos, Abdul Wadud e Pablo Casals. Foi uma grande evolução deixar de fazer o papel de baixista do grupo», acrescenta.

“Children of the Water” é curta peça introdutória, com o violoncelo a desenhar a bela melodia de travo clássico, facilmente enquadrável como banda sonora de um filme negro passado na Idade Média. “Woven Forest” é harmónica e ritmicamente mais intensa, com o violoncelo a tomar a dianteira, instalando um groove, e os saxofones entrelaçando as suas linhas. A dado momento a peça adquire um contagiante vigor devedor do rock, com potentes uníssonos, dos quais se solta a guitarra elétrica de Pirog. “She Had Synesthesia”, momento de pendor punk de início melódico, adquire rugosidade com o violoncelo a assumir um papel similar ao da guitarra ritmo nos velhos grupos de hard-rock (notável a relação muito física entre instrumento e instrumentista). A temperatura sobe e os saxofones aproveitam o ensejo para soltar amarras.

O contraste surge abrupto com o brilho celestial de “I Pose”, interpelado pelo tom mais escuro do violoncelo e pelas acentuações propostas pelos teclados (a única peça em que são utilizados) e pela harpa, antes de enfrentar vagas de saxofone e guitarra elétrica. De particular concisão, “Her Hand is His Score” é profundamente meditativa e encontra continuidade no tom introspetivo de “Silvia’s Path” (inspirado na poeta, romancista e contista norte-americana Sylvia Plath, que em 1963, aos 30 anos, se suicidou em Londres), de início e final encantatoriamente minimalista, que se metamorfoseia no ínterim ganhando densidade. “Volcano Song”, centro nevrálgico do álbum, assume de forma mais aberta o formato de canção, de toada lânguida com uma sinuosa linha melódica, suportada na linha de contrabaixo. Os solos de Settles e Pirog gerem a tensão, mantendo o tempo e as dinâmicas instaladas. (Leppin referiu em entrevista que a peça foi inspirada no seu amor pelos Masada, de John Zorn. «Toco essas peças lindas até hoje», salienta.)

“Clarity” exibe uma melodia ondulante desenhada pelo saxofone, em que a líder pega e desenvolve, num diálogo que a dado momento é intersetado pela guitarra elétrica, com a peça a ganhar uma intensidade inaudita. Tributo direto a outras das suas referências, Alice Coltrane, “A Palace for Alice” exibe uma melodia delicada e circular, fundada num ostinato proposto pela harpa de Sator, que Pirog elegantemente dobra na guitarra. O violoncelo assume protagonismo natural em “Leaving the Woods”, peça que encerra o álbum e uma incursão no passado (foi a primeira peça que compôs e que incluiu no seu álbum “Where is Home” de 2012). Novamente, o contrabaixo de Stewart assume a liderança, enquanto o violoncelo e o alto de Hughes giram em torno um do outro. Escapando a sentimentalismos espúrios, não deixa de ser um melancólico olhar para trás.

Este Ensemble Volcanic Ash é cabal demonstração de uma visão artística muito pessoal. Música que não se acantona nem admite policiamentos, deixando o alerta dos sentidos permanentemente ligado.

  • Ensemble Volcanic Ash

    Ensemble Volcanic Ash (Cuneiform)

    Janel Leppin

    Janel Leppin (violoncelo, teclados, composições); Anthony Pirog (guitarra elétrica); Brian Settles (saxofone tenor); Sarah Hughes (saxofone alto); Kim Sator (harpa); Luke Stewart (contrabaixo); Larry Ferguson (bateria)

Agenda

01 Junho

André Santos e Alexandre Frazão

Café Dias - Lisboa

01 Junho

Beatriz Nunes, André Silva e André Rosinha

Brown’s Avenue Hotel - Lisboa

01 Junho

Ernesto Rodrigues, José Lencastre, Jonathan Aardestrup e João Sousa

Cossoul - Lisboa

01 Junho

Tracapangã

Miradouro de Baixo - Carpintarias de São Lázaro - Lisboa

01 Junho

Jam session

Sala 6 - Barreiro

01 Junho

Jam Session com Manuel Oliveira, Alexandre Frazão, Rodrigo Correia e Luís Cunha

Fábrica Braço de Prata - Lisboa

01 Junho

Mano a Mano

Távola Bar - Lisboa

02 Junho

Rafael Alves Quartet

Nisa’s Lounge - Algés

02 Junho

João Mortágua Axes

Teatro Municipal da Covilhã - Covilhã

02 Junho

Júlio Resende

Fábrica Braço de Prata - Lisboa

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