Hugo Costa / Raoul van der Weide / Onno Govaert: “Land Over Water” (Creative Sources)

Hugo Costa / Raoul van der Weide / Onno Govaert: “Land Over Water” (Creative Sources)

Creative Sources

António Branco

O saxofonista alto Hugo Costa, que desde 2010 irradia a sua intensa atividade a partir de Roterdão, tem novo álbum, “Land Over Water”, desta feita acompanhado por dois holandeses: o veterano contrabaixista Raoul van der Weide e o baterista Onno Govaert (com ligações várias à cena portuguesa). 

O saxofonista alto Hugo Costa, que desde 2010 irradia a sua intensa atividade a partir de Roterdão, tem novo álbum, “Land Over Water”, desta feita acompanhado por dois holandeses: o veterano contrabaixista Raoul van der Weide e o baterista Onno Govaert (com ligações várias à cena portuguesa, como as com Rodrigo Amado e Gonçalo Almeida, Marcelo dos Reis e Luís Vicente). O título alude à orografia dos Países Baixos, território invulgarmente plano em que quase um quarto das terras estão abaixo do nível do mar. Com chancela da lisboeta Creative Sources, é também uma homenagem do português ao país onde se fixou: «É o país onde resido há quase 20 anos, onde já tenho raízes, e portanto é uma pequena homenagem que faço ao país e às suas pessoas», sublinha Hugo Costa à jazz.pt.

O músico, a quem há muito reconhecemos assinaláveis predicados, integra a importante cena local (com extensão a Amesterdão) do jazz mais aventuroso e da livre improvisação, reparte-se por diversos projetos, destacando-se o power-trio Albatre – com o baixista (e contrabaixista) Gonçalo Almeida e o baterista alemão Philipp Ernsting, no trio Garuda, ao lado do contrabaixista Hernâni Faustino e do baterista João Valinho (recenseado aqui), Anticlan (com o mesmo Ernsting e o guitarrista de origem mexicana Josué Amador; o mais recente álbum é o notável “Hurricane City”) ou Real Mensch (com o manipulador de eletrónicas Assi Weitz e Robert Gradisen no laptop), ambos recenseados aqui.

Trio de configuração instrumental com raízes no hard-bop e copa amplamente nutrida pelo free, é neste quadro que se funda “Land Over Water”, com a improvisação aberta a uma ampla gama de possibilidades, esticando as premissas e a linguagem de base em diferentes direções. O saxofonismo de Costa é de largo espetro, desde momentos de uma incandescência primordial, até passagem eivadas de uma espiritualidade latente.

Os três músicos reuniram-se pela primeira vez em Amesterdão para uma sessão no estúdio do contrabaixista, local onde acontecem muitas sessões de improvisação com músicos holandeses e de outras paragens. Alguns meses depois, o trio apresentou-se em concerto em Roterdão, o qual foi gravado; o resultado satisfez ao ponto de utilizarem parte dessa gravação no novo álbum. Saxofonista e contrabaixista já tinham tocado juntos, num trio com a pianista Marta Warelis, a mesma de quarteto Turquoise Dream (com Carlos “Zíngaro”, Helena Espvall e Marcelo dos Reis). Já Costa e Govaert são velhos comparsas musicais, tendo já partilhado o palco por diversas vezes, com Albatre e Cactus Truck, por exemplo, mas nunca tinham antes colaborado.

A música que se escuta em “Land Over Water” é totalmente improvisada, inexistindo qualquer material pré-preparado. O álbum abre com “Live at Noorse Kerke”, com mais de 18 minutos, tema gravado ao vivo no referido primeiro concerto do trio, em Roterdão. Tudo começa com o discurso sereno do saxofonista, assente em motivos melódicos que se repetem com pequenas variações, utilizando multifónicos ou mudanças rápidas de oitavas no saxofone; entram bateria, sobretudo címbalos, e van der Weide a juntar-se com objetos de percussão, introduzindo detalhes, que paulatinamente vão acrescentando espessura até a peça se aquietar; tudo se vai metamorfoseando, com Costa no centro do que acontece, tocando multifónicos no registo mais grave e o trio a experimentar diferentes texturas. Após um solo de Govaert o saxofone reintroduz o motivo melódico inicial e o trio entrega-se à improvisação conjunta abrindo a torneira do gás até ao clímax.

“Burning Toes” é vinheta mais abstrata, marcada pelo som altivo do saxofonista; a um diálogo entre saxofone e contrabaixo – van der Weide utiliza a sua alfaia como se de um instrumento de percussão se tratasse – junta-se o baterista, num decisivo esforço coletivo. “Wortel Schieten” (que significa «criar raízes» em neerlandês) é mais planante, com sussurros do saxofonista, e Weide a alternar entre o contrabaixo e percussões várias; Costa, por seu lado, mostra-se mercurial, adotando técnicas estendidas. Nova intervenção solística do baterista lança uma secção trovejante, com todos os instrumentos na potência máxima.

De cariz mais camerístico, a peça-título começa novamente com o contrabaixista a dar o mote, utilizando a arco para adicionar gravidade, percussões delicadas e um saxofone a tocar harmónicos e a espreitar nesgas melódicas, sempre em associação próxima ao cordofone. A narrativa desenvolve-se num crescendo de lirismo e profundidade.

Com “Land Over Water” o saxofonista Hugo Costa alarga ainda mais os seus horizontes sónicos, e reforça um pecúlio que faz dele um dos mais interessantes saxofonistas nacionais do nosso tempo e alguém cujos passos devemos continuar a seguir com atenção.



  • Land Over Water

    Land Over Water (Creative Sources)

    Hugo Costa/Raoul van der Weide/Onno Govaert

    Hugo Costa (saxofone alto); Raoul van der Weide (contrabaixo, objetos de percussão); Onno Govaert (bateria)

Agenda

07 Junho

Choro do Neckar

Cascais Jazz Club - Cascais

08 Junho

Afonso Pais e Tomás Marques

Miradouro de Baixo - Carpintarias de São Lázaro - Lisboa

08 Junho

George Esteves

Cascais Jazz Club - Cascais

08 Junho

Jam session

Sala 6 - Barreiro

08 Junho

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Távola Bar - Lisboa

09 Junho

Pedro Neves Trio “Hindrances”

Parque Central da Maia - Maia

09 Junho

No-Bise

Nisa’s Lounge - Algés

09 Junho

Lorena Izquierdo, Alvaro Rosso e Abdul Moimême

Cossoul - Lisboa

09 Junho

MOVE

BOTA - Lisboa

09 Junho

Mané Fernandes “Matriz Motriz”

Parque Central da Maia - Maia

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