Bison´s Big Bang: “Beyond The Canyon” (Jazzego)
Jazzego
“Beyond The Canyon” é o primeiro álbum gravado em Portugal pelo saxofonista e compositor norte-americano Brian “Bison” Blaker, atualmente a residir no Porto e já plenamente integrado na fervilhante cena local do jazz e das músicas criativas. A jazz.pt já o escutou.
Desde que em 2018 o saxofonista norte-americano Brian “Bison” Blaker aportou a terras portuguesas – primeiro a Braga, para onde a namorada veio estudar medicina, e depois ao Porto, onde ela fez residência e ele encontrou trabalho – logo estabeleceu laços na fervilhante cena local. Depois dos vários projetos que desenvolveu do lado de lá do Atlântico, alguns registados em disco, foi na cidade invicta que Blaker lançou “Beyond The Canyon”, com selo da portuense Jazzego, álbum genericamente tranquilo e pleno de um virtuosismo balizado pela tradição do género. Ao saxofonista aliam-se Luís Ribeiro na guitarra, Nuno Campos no contrabaixo e Miguel Sampaio na bateria.
Nado e criado nos arredores de Los Angeles, Blaker começou, como tantos, a tocar guitarra, atraído pela energia crua do punk e do hardcore. Tudo mudou quando se defrontou com o exemplar de “A Love Supreme”, de John Coltrane, que o pai tinha em casa. Começou então o interesse pelo saxofone, primeiros nos grupos da escola e depois aprofundando estudos com Eric Alexander, Phil Woods e Jimmy Heath. Esta grande imersão no jazz e na música negra americana levou-a a Filadélfia e, mais tarde, a Groningen, Países Baixos. Os anos seguintes foram passados tocando com regularidade na cena de Filadélfia, em formações por si lideradas e outras, em especial, o grupo de funk Swift Technique.
As cenas da natureza tiveram um importante papel enquanto fonte de inspiração para “Beyond The Canyon”. «O que tento com este disco é partilhar com o ouvinte uma imagem ou cena na natureza que evoque emoções fortes e reflexão pessoal. É altamente influenciado pelo jazz e pela música negra americana, mas incorpora outras coisas da experiência e da perspetiva pessoal de cada músico», começa por dizer o saxofonista à jazz.pt. A Bison´s Big Bang, que já leva uma década de existência, foi formada como parte do seu projeto de tese de pós-graduação na University of the Arts de Filadélfia, em 2012. Na altura, estava focado em desenvolver uma estética de banda e com isso criar um som, vibração ou qualquer coisa única para o projeto, em oposição ao tradicional. Utilizou o seu apelido, Bison, espécie de alter-ego musical, nesse e noutro grupo com o qual trabalhou extensivamente na Filadélfia durante vários anos.
«O conceito geral tem sido, e atualmente é, eu apresentar música ao grupo que é composto por músicos que se identificam musicalmente com o que eu compus para torná-lo único para aquele formato», explica Blaker. «Enquanto eu escrevo muito, gosto de deixar a interpretação para os meus colegas de banda explorarem o que aquela música significa para eles e permitir que sua criatividade impacte o som geral», acrescenta. «É muito democrático, mas às vezes tenho que tomar uma decisão executiva, se acredito que essa decisão serve melhor a música.»
Muito influenciado pela tradição do jazz, Blaker estudou com mentores que lhe ensinaram o que essa tradição significa, mas também a importância de ser ele próprio enquanto músico e como pode retribuir a essa tradição: «Acredito que incorporar outros elementos musicais ou qualquer outra coisa é natural para que essa música continue a crescer e a prosperar e tento integrar isso o máximo possível. Gosto de dançar e de me mover ao som da música e há tanta música por aí além do jazz, e dentro da música negra americana, desde rock, funk, afro-beat, músicas latinas.»
O grupo conheceu formatos diferentes desde a sua mudança para Portugal, mas tem-se centrado em quarteto com contrabaixo, bateria e guitarra. Nesta encarnação, tratou de montar uma «equipa ou quebra-cabeças musical para encontrar o que se encaixa e o que as pessoas oferecem não apenas musicalmente, mas pessoalmente, e alinhá-lo.» O contrabaixista Nuno Campos foi um dos primeiros músicos a receber Blaker na comunidade jazzística portuense. O baterista Miguel Sampaio foi-lhe indicado pelo guitarrista AP, quando o primeiro músico que chamou para a banda se mostrou demasiado ocupado para se comprometer com o projeto. Por sua vez, o guitarrista Luís Ribeiro, com quem o saxofonista se havia cruzado uma vez no antigo clube Hotfive, na baixa do Porto, foi-lhe recomendado por Sampaio.
“Beyond The Canyon” arranca com “Row, row, row, Your Floating Vessel”, peça que vem do tempo da sua licenciatura e que revela uma estrutura meticulosa, tempo médio, guitarra clara e saxofone ágil a dominar a peça até final. É, porventura, o momento mais cerebral do disco, com os seus jogos harmónicos que resultam da aplicação de técnicas da escola serial. “Uncharted Waters” parte de um motivo melódico que se vai desenvolvendo, com o saxofone a pairar, mais doce ou mais flamejante, porém sempre focado, sobre uma teia harmónica e rítmica, numa relação complexa que gera tensões e distensões. Um solo de guitarra insta o saxofone a reexplanar o motivo-base.
“By The Sea” é introduzido pelo contrabaixo, que lança uníssonos entre saxofone e guitarra, evoluindo para um groove luminoso, do qual se desamarra nova intervenção fluida do saxofonista. O tema é retomado na secção final. “Climbing” parece dividida em duas partes; na primeira, cabe à bateria introduzir uma parte mais colorida e livre em termos rítmicos, que dá lugar a uma outra mais potente e devedora de domínios rock/funk, com o solo de Ribeiro na guitarra elétrica a capitanear o groove final.
O tema-título, particularmente caro ao autor, foi escrito durante o primeiro confinamento da covid-19 e inspirado pela sua primeira visita às serras do norte de Portugal. «Durante o confinamento revisitei antigos filmes de faroeste com música que captava perfeitamente a beleza do oeste americano e posteriormente tive uma sensação semelhante nas serras como também onde cresci. Então, tem várias camadas de estar além do “canyon” em que cresci, bem como as emoções que eu estava a sentir na época além das serras», explica Blaker. E assim estamos diante de uma delicada balada introduzida pela guitarra, a que se juntam as escovas do baterista e o contrabaixo tocado com arco até que, finalmente, o saxofone entra em cena (atente-se no momento em que, no estertor da peça, fica desacompanhado).
Com uma secção inicial claramente inspirada em “Crescent", de Coltrane, “The Voyager” alterna secções relaxadas ou outras de intenso groove, sempre com o saxofone ao comando das operações. “By the Sea (Minus & MRDolly Remix)” é uma remistura virada para as pistas de dança que pega no original, transforma-o, mas não o descarateriza. Servirá os seus propósitos… “The Voyager” também conhece uma remistura que a carreia para o terreno da música ambiente que não deixa de lembrar algum do trabalho mais recente de David Binney, também ele sob forte influência do sol californiano.
“Beyond the Canyon” é uma interessante amostra dos talentos de Brian Blaker, como saxofonista e organizador sonoro. Aguardemos pelos próximos capítulos da sua jornada lusa.
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Beyond The Canyon (Jazzego)
Bison´s Big Bang
Brian “Bison” Blaker (saxofone e composições); Luís Ribeiro (guitarra); Nuno Campos (contrabaixo); Miguel Sampaio (bateria)