Inês Malheiro: “Liquify, Spread and Float” (Carimbo Porta-Jazz)
Carimbo Porta-Jazz
Da oitava edição do Projeto Guimarães Jazz / Porta-Jazz resulta uma exploração sonora aventureira, liderada por Inês Malheiro. Uma pérola atípica no catálogo do Carimbo.
O catálogo do Carimbo Porta-Jazz tem refletido a produtividade artística da cena jazz nortenha, acompanhado o trabalho de nomes consagrados e de jovens talentos em processo de afirmação, com uma vastidão que se aproxima da centena de edições. Contudo, não podemos deixar de notar que, deste imenso catálogo, são poucos os projetos que se aventuram para lá das típicas fronteiras do jazz. Neste novo disco, um projeto de Inês Malheiro, ouvimos uma proposta musical desafiante, que vai para além das regras tradicionais do cânone jazzístico.
Este projeto foi desenvolvido no âmbito da parceria do festival Guimarães Jazz com a associação Porta-Jazz. Esta iniciativa, em regime “carta branca”, tem promovido projetos musicais originais sempre com parcerias multidisciplinares, e das edições anteriores resultaram discos marcantes como “Impermanence” de Susana Santos Silva, “The Darkness of the Unknown” de Miguel Moreira ou “Sombras da Imperfeição” de Hugo Raro, entre outros.
Neste “Liquify, Spread and Float”, Inês Malheiro (voz) está acompanhada pelo saxofonista Daniel Sousa (membro do duo 293 Diagonal, também com disco um acabado de editar), pelo versátil trompetista João Almeida (que se desdobra em múltiplos projetos e colaborações), pelo guitarrista José Vale e pelo baterista Vicente Mateus. Ao vivo, o trabalho musical foi complementado com o trabalho visual de Carolina Fangueiro, que foi também registado em vídeo (o código para download do vídeo está indicado no booklet do CD). O disco está dividido em três partes, três grandes temas: “Liquify”, “Spread” e “Float” (todos com mais de dez minutos de duração). A toada do disco é sobretudo ambiental, marcada recorrentemente pela utilização de elementos eletrónicos. As intervenções instrumentais são propositadamente contidas, cada um dos músicos nunca se revela demasiado. A atmosfera é densa, a voz é o leme que guia o grupo.
“Liquify”, o primeiro tema, abre o álbum com eletrónica subtil, a massa sonora vai-se solidificando, entra uma guitarra submersa, até que ganha forma e a voz se afirma, acompanhada por um trompete espectral; quase no final, guitarrista e baterista acrescentam relâmpagos de rock/metal desvairado (em breves segundos). “Spread” abre com bateria, guitarra e trompete em conflito, juntando-se depois a voz e posteriormente o saxofone; as várias linhas vão-se sobrepondo, até que o ritmo quebra, abrindo espaço a uma exploração mais atmosférica, fechando com a voz assombrada. No tema final - “Float” -, e após um longo arco, o grupo revela-se mais expansivo, com a voz de Inês Malheiro a mostrar-se fulgurante, por cima do tapete instrumental, onde se evidencia sobretudo o trompete aceso de Almeida.
Se um catálogo jazzístico deverá necessariamente conter sobretudo elementos referenciais assumidamente jazz, deverá também incluir propostas arrisquem cruzar fronteiras. Esta proposta de Inês Malheiro é uma exploração sonora aventureira, uma pérola atípica (e muito bem-vinda) no catálogo do Carimbo Porta-Jazz. Venham mais destas!
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Liquify, Spread and Float (Carimbo Porta-Jazz)
Inês Malheiro
Inês Malheiro (voz, efeitos eletrónicos); Daniel Sousa (saxofone, efeitos eletrónicos); João Almeida (trompete, efeitos eletrónicos); José Vale (guitarra, efeitos eletrónicos); Vicente Mateus (bateria, efeitos eletrónicos)