André Matos: “Directo ao Mar” (Robalo)

André Matos: “Directo ao Mar” (Robalo)

Robalo

António Branco

Os últimos anos têm sido particularmente (ou talvez seja mais apropriado dizer incrivelmente) atarefados em termos de edições discográficas para André Matos, guitarrista lisboeta a residir em Nova Iorque desde 2008. Dando sequência a uma notável torrente criativa, lança agora "Directo ao Mar", com o baixista João Hasselberg e o baterista João Pereira. A jazz.pt já o escutou.

Em 2021, o guitarrista André Matos (n. 1981) ofereceu-nos “Casa” – o derradeiro tomo de uma tetralogia a solo –, o monumental “On the Shortness of Life”, conjunto de duos remotos em tempos pandémicos, “Estelar”, – que deve o nome ao único instrumento que utiliza na gravação, uma guitarra acústica Stella, pequena e de uma gama destinada a estudantes, fabricada em Chicago nos anos 1960 – o EP "Orbit", e, já no final do ano, os álbuns gémeos “Roam Free” e “Ritual”.

A torrente criativa não cessou e em 2022 já tivemos “Limbo”, de novo a solo, editado em maio, e agora “Directo Ao Mar”, em trio, com selo da Robalo, acompanhado pelo baixista João Hasselberg e pelo baterista João Pereira, músicos experimentados e para quem versatilidade e coerência se aliam de modo notável. Matos já tinha no passado tocado em trio com os dois, embora separadamente, com esta combinação a conhecer aqui a sua estreia. «Queria ter uma banda pronta em Portugal para o que der e vier. São os companheiros perfeitos por razões várias», explica André Matos à jazz.pt. “Directo ao Mar” é um tributo às raízes, uma elegia àquilo que tornou possível uma existência que o trouxe aqui. Esse desígnio fica expresso, desde logo, no título que escolheu para o álbum, «relacionado com a sensação e necessidade que tenho de ir “direto ao mar” quando venho a Portugal, uma dedicatória à minha família, ao mar, a Sintra.»

Em “Directo ao Mar” volta a escutar-se o seu guitarrismo multidimensional muito peculiar, capaz de se aproximar e afastar de uma linguagem que radicará nos blues, mas que deles parte para indagar outros territórios. As suas composições e improvisações continuam a contam histórias, como se tocasse (ele e quem o acompanha) só para nós. A componente melódica volta a estar bem presente, embora de uma forma que dá azo a permanentes descobertas.

O novo álbum parece constituir-se como uma extensão da música que tem vindo a fazer a solo para um formato de trio. «Houve uma certa irreverência que foi explorada sem atender, a meu ouvir, a convenções que poderiam estar presentes num ambiente de trio guitarra/baixo/bateria», sublinha o guitarrista. O trio reuniu-se no verão de 2020, numa trégua dada pela pandemia, e foi diretamente para estúdio «gravar sem grandes contemplações, sem ensaios, nada.» A experiência motivou e «um ano mais tarde voltámos ao estúdio nos mesmos moldes, talvez ainda acrescentando mais uma dose de experimentação.»

O processo de trabalho em estúdio assentou na improvisação – «a fita rolava e nós fomos tocando.» «De quase três horas de música improvisada selecionei estes trechos que por vezes quase parecem composições» – mas também em peças escritas de forma espontânea, algumas das quais no dia anterior à entrada em estúdio. «Há um claro distanciamento do método tema-solo-solo-tema, seja nas improvisações quasi-tema seja nas composições escritas. Aliás, seria difícil para mim engrenar nesse método nos dias que correm», completa Matos.

O álbum abre com uma bela versão de "One, Two", de Paul Motian, melodia que Matos guardou na cabeça desde que pela primeira vez escutou “Garden of Eden”, de 2005. »Lembrei de a trazer para a sessão de 2020. A música e toda a cena à volta de Paul Motian tem uma influência muito grande nos músicos da minha geração e eu não sou exceção. De 2008 a 2011 a experiência de ouvir os seus grupos quase mensalmente no Village Vanguard foi talvez a mais importante memória musical que criei.» Pereira introduz, e logo surge a guitarra cristalina de Matos e o baixo económico de Hasselberg.

“Natureza Perfeita” carreia uma ambiência bluesy, mais vai além dela, muito por via da utilização do slide, que de alguma forma remete para as ambiências de “Estelar”. É o baixista quem dá o mote; Pereira injeta um drive rápido, em contraste com a linha da guitarra a tresandar a América. «Começou quando eu estava a afinar, o Hasselberg começa a imitar a nota e de repente a coisa pegou, o slide traz um pouco desse ambiente bluesy, talvez. O slide é para mim uma extensão natural no meu tocar, no expressar; extravasa para mim o ambiente bluesy, e torna-se mais uma técnica estendida.»

O lado mais enigmático de “Vindo do Além” transporta-nos para algumas das paisagens sonoras criadas pelos Pink Floyd de início de setentas e resulta de uma improvisação mais longa, um groove algo trippy. “Alpage” é mais serena e contemplativa, porque o autor assim o «cantou» nos Alpes franceses. “Directo ao Mar” foi literalmente escrita na praia e isso escuta-se no balanço dolente. “Malcolm” – nome do navio do romance “Os Prémios” de Julio Cortázar – é o final de várias versões seguidas que o trio fez de uma peça do guitarrista, cruzando linhas, surgindo bastante destilada. Por via de um feliz engano, “Pereira”, lançada por Hasselberg, é uma peça sinuosa em que são rentabilizados os níveis de interação; ao invés, em “Hasselberg” o papel central é assumido por Pereira, que propõe uma propulsão que se vai transformando e em torno do qual tudo gira, criando uma espiral hipnótica.

Acrescentando pontos à rica discografia de André Matos, “Directo ao Mar” faz luz sobre diferentes recantos de um universo sonoro muito pessoal que não cessa de nos surpreender.

  • Directo ao Mar

    Directo ao Mar (Robalo)

    André Matos

    André Matos (guitarra); João Hasselberg (baixo elétrico); João Pereira (bateria)

Agenda

01 Junho

André Santos e Alexandre Frazão

Café Dias - Lisboa

01 Junho

Beatriz Nunes, André Silva e André Rosinha

Brown’s Avenue Hotel - Lisboa

01 Junho

Ernesto Rodrigues, José Lencastre, Jonathan Aardestrup e João Sousa

Cossoul - Lisboa

01 Junho

Tracapangã

Miradouro de Baixo - Carpintarias de São Lázaro - Lisboa

01 Junho

Jam session

Sala 6 - Barreiro

01 Junho

Jam Session com Manuel Oliveira, Alexandre Frazão, Rodrigo Correia e Luís Cunha

Fábrica Braço de Prata - Lisboa

01 Junho

Mano a Mano

Távola Bar - Lisboa

02 Junho

Rafael Alves Quartet

Nisa’s Lounge - Algés

02 Junho

João Mortágua Axes

Teatro Municipal da Covilhã - Covilhã

02 Junho

Júlio Resende

Fábrica Braço de Prata - Lisboa

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