Carlos Azevedo Quarteto: “Serpente” (Carimbo Porta-Jazz)

Carlos Azevedo Quarteto: “Serpente” (Carimbo Porta-Jazz)

Carimbo Porta-Jazz

António Branco

Um novo álbum, em nome próprio, do pianista, compositor e arranjador Carlos Azevedo é um verdadeiro acontecimento, no mais rejubilante sentido do termo. Os anos de espera terminaram com o notável “Serpente”, em quarteto, onde surge acompanhado por músicos superlativos, líderes dos seus próprios projetos: o guitarrista Miguel Moreira, o contrabaixista Miguel Ângelo e o baterista Mário Costa. Tem selo do Carimbo, braço editorial da hiperativa Associação Porta-Jazz, e a jazz.pt já o escutou.

Carlos Azevedo (n. 1964) é figura fundamental no paulatino processo de construção do atual panorama jazzístico nacional, plural e vibrante como nunca antes o fora, jogando em vários tabuleiros: pelas obras marcantes que compôs ou arranjou, pelas centenas de alunos que formou, pelo piano que escutamos nos discos e concertos de uma das orquestras de jazz mais relevantes da atualidade. No último quarto de século dedicou-se quase em exclusivo ao trabalho com a Orquestra Jazz de Matosinhos (OJM), notável empreendimento que codirigiu musicalmente com Pedro Guedes desde 1999 até à sua recente saída. Em entrevista à jazz.pt, Azevedo deixou claro que durante este tempo andou bastante ocupado: «Muito do meu tempo nos últimos 20 anos foi ocupado a compor, fazer arranjos e gravar discos com a OJM. Gravei com diferentes projetos, escrevi bastantes obras na área da música “erudita”, pelo meio fiz o doutoramento em Composição.»

Nascido em Vila Real, em pleno interior transmontano, Azevedo cedo prosseguiu estudos de piano; mais tarde, viria a ser o primeiro aluno inscrito na Escola Superior de Música do Porto (atual Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo, ESMAE) e foi protagonista de outro momento histórico, a criação da primeira licenciatura em Jazz do país, precisamente na ESMAE. Definindo-se acima de tudo como compositor, Carlos Azevedo tem desenvolvido prolífica atividade neste domínio. Sendo certo que a parte mais significativa do seu trabalho tem tido como destinatária a OJM, não se exaure aí; tem recebido encomendas de outras formações importantes como a Brussels Jazz Orchestra ou a European Youth Jazz Orchestra. É chegado o tempo de revisitar obras como “Nem Sempre o Mar é Azul”, composta em 1998 para orquestra de cordas, “Jazzi Metal”, para quinteto de metais, ou “Sunflower”, para quarteto de saxofones. Não esquecer ainda a ópera que escreveu em parceria com o libretista Carlos Tê, “Mumadona”, inspirada na figura de Mumadona Dias, condessa do Condado Portucalense e a mulher mais poderosa do seu tempo no noroeste da Península Ibérica, uma encomenda de Guimarães – Capital Europeia da Cultura estreada em 2012. Eis apenas alguns exemplos da excelência criativa de uma pena sempre pronta a surpreender.

Mas olhando em jeito de retrospetiva para este vasto e multifacetado percurso, imediatamente salta à vista uma lacuna ensurdecedora: discos de jazz que ostentem o seu nome na capa. Teremos de recuar mais de uma vintena de anos para encontrar o inaugural, “Lenda”, suíte escrita para decateto e editada pela Culturporto em 2000. Apostada em pôr termo a essa carestia, a Carimbo, braço editorial da essencial Associação Porta-Jazz, edita “Serpente”, disco em quarteto onde Carlos Azevedo é acompanhado por músicos também eles centrais na cena do jazz portuense (e nacional), como o guitarrista Miguel Moreira, o contrabaixista Miguel Ângelo e o baterista Mário Costa.

O encontro de Azevedo com a dupla rítmica deu-se no Ensemble Super Moderne, com o qual gravou um excelente álbum homónimo, editado em 2014, e estende-se agora, tanto pela amizade que os une como pelo facto de serem músicos cujas competências admira. Tendo as peças sido pensadas originalmente para um quarteto com guitarra, logo o seu foco se virou para Miguel Moreira. Preparado durante a pandemia, embora já anteriormente pensado, “Serpente” é exemplo acabado de como a mundividência sonora de Carlos Azevedo também dá frutos em configuração instrumental de dimensão mais económica. «A ideia foi criar um conjunto de temas contrastantes entre si que formassem um todo coerente» disse o pianista na mesma entrevista à jazz.pt.

Todas as peças com exceção de uma (“Balada”) foram escritas especificamente com vista à gravação deste projeto. Para esta coleção de peças estilisticamente muito variadas confluem elementos do jazz, claro está, mas também, e muito, da música erudita, do rock. É deste cruzamento de referências que brota uma personalidade criativo muito peculiar: «Quando era adolescente para além da música “erudita” eu ouvia muito rock progressivo e Frank Zappa. O jazz apareceu mais tarde, por volta dos 25 anos. A minha formação foi toda realizada na área da música “erudita” e em especial na Composição.»

Não obstante parte muito considerável destas peças estar fechada na sua cabeça à entrada para o estúdio, incorporou sugestões dos outros três músicos. As atmosferas criadas para as improvisações evidenciam muito do que foi aportado por todos e do que foi surgindo durante os ensaios. Da ambiência enigmática de “Longe” passamos para a caleidoscópica peça que dá título ao disco, brevemente apresentada pelo contrabaixo e que assenta num motivo que emerge, submerge e reemerge, até enveredar por uma via mais abstrata, com a guitarra processada a assumir a centralidade dos acontecimentos, e o contrabaixista a recorrer ao arco, com a peça a adquirir um vigor quase rock. “Balada” é isso e muito mais, com a linha melódica jamais óbvia desenhada pelo pianista e as notas luminosas da guitarra, com uma secção rítmica sempre requintada – incluindo um belo solo de Miguel Ângelo.

A maior intensidade de “Mafarrica” funda-se num ostinato que se vai transformando e constitui uma espécie de desafio que lançou a si próprio, com vívidos diálogos entre piano e guitarra, suportados por uma secção rítmica possante. Um contraste absoluto com a rarefação de “Constelações”, delicada empresa, com Azevedo a explanar o lado mais lírico do seu pianismo. “Padrões” é mais labiríntica, com o líder exemplar no Fender Rhodes e mais uma notável contribuição de um contrabaixista em estado-de-graça. “Time Machine” adquire aqui contornos de maior solenidade, ali de uma serenidade que também se escuta em “Outro Tempo”. Ao cair da cortina, “Fratura”, porventura reminiscência dos sons da adolescência, leva-nos numa aventura pelos domínios de um jazz-rock eletricamente carregado.

Como “Serpente” profusamente demonstra, escutar Carlos Azevedo num contexto mais intimista é raro deleite.

 

  • Serpente

    Serpente (Carimbo Porta-Jazz)

    Carlos Azevedo Quarteto

    Carlos Azevedo (piano e composições); Miguel Moreira (guitarra); Miguel Ângelo (contrabaixo); Mário Costa (bateria)

Agenda

04 Outubro

Carlos Azevedo Quarteto

Teatro Municipal de Vila Real - Vila Real

04 Outubro

Luís Vicente, John Dikeman, William Parker e Hamid Drake

Centro Cultural de Belém - Lisboa

04 Outubro

Orquestra Angrajazz com Jeffery Davis

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

04 Outubro

Renee Rosnes Quintet

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

05 Outubro

Peter Gabriel Duo

Chalé João Lúcio - Olhão

05 Outubro

Desidério Lázaro Trio

SMUP - Parede

05 Outubro

Themandus

Cine-Teatro de Estarreja - Estarreja

06 Outubro

Lucifer Pool Party

SMUP - Parede

06 Outubro

Marta Rodrigues Quinteto

Casa Cheia - Lisboa

06 Outubro

Ben Allison Trio

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

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