Marek Pospieszalski: “Polish Composers Of The 20th Century” (Clean Feed)
Clean Feed
Ainda me lembro da excitação, no princípio dos anos 90. A viagem até à VGM (“Você Gosta De Música”, uma excelente discoteca na praça do Príncipe Real e depois na rua Viriato, em Lisboa, entretanto desaparecida, especializada em música antiga e contemporânea) era antecipada pelo telefonema do Tomás, o gentil vendeiro daquele antro, que tinha chegado “um carregamento de russos.” Naquela altura não vinham a fugir das péssimas condições de vida ou da guerra. Vinham em CD’s.
Não sei se seriam todos russos, mas vinham do leste e para facilitar, dava-lhes a equivalência como na Lusófona. O alvoroço era fácil de explicar: a maior parte destes compositores – Valentim Silvestrov, Avet Terteriam tinham sido afastados das estruturas de poder dominantes, o mundo deles era fantástico, completamente diferente. A anos-luz dos oficiais, este universo de outsiders construiu cosmologias musicais próprias, longe da academia e do regime. Começaram a aparecer em Lisboa através de editoras como a Kairos e a Magadisc. A mais conhecida Sofia Gubajdulina era só a ponta de um iceberg que tinha imensa gelo por baixo. O mundo dos clusters de Avet Terteriam (arménio; sinfonias 3, 4 e 7), as “Silent Songs” de Silvestrov...Pavlova, Kancheli... tanta música diferente por ouvir. O Tomás guardava-os por baixo do balcão, fazia os telefonemas e começava a romaria para aquele seminário de singularidade.
Vem isto a propósito deste recente lançamento da editora Clean Feed: Marek Pospieszalski: “Polish Composers Of The 20th Century”. Que disco! Esta crítica é como um telefonema do Tomás.
Talvez por causa do “Bratislava Jazz Days” fiquei sempre com a sensação que o jazz polaco era pouco interessante, preso ao jazz-rock dos Weather Report, acrobático, cheio de virtuosismo fátuo. Mas afinal na Polónia há músicos com propostas muito originais, com caminhos realmente diferentes. Ir aos compositores Polacos do século XX (o equivalente a rever Peixinho, Nunes, Lopes Graça, Filipe Pires, etc. em Portugal) é transformar obras complexas (“Kotoński”, por exemplo, muito ao estilo de Terteriam, baseada numa repetição obsessiva) em peças para um grupo de jazz. Um trabalho notável e ao mesmo tempo inteligente pois resulta numa musica muito diferente, um mundo que a maior parte dos ouvintes de jazz conhece mal. “Szalonek” é mais um exemplo de uma peça baseada num motivo repetitivo. “Sikorski” (as peças têm os nomes dos compositores) em elementos mínimos e dispersos ao estilo de Morton Feldman ou Scelsi.
Marek Pospieszalski monta um octeto com uma instrumentação estranha - dois saxofones, trompete, viola, guitarra, piano, contrabaixo e bateria e revê as pautas dos compositores polacos do século XX que nos são totalmente desconhecidos (ex. Jan Krenz, Tadeusz Baird, Kazimierz Serocki, Tomasz Sikorski, Witold Szalonek, etc.) O resultado é um dos discos de jazz mais interessantes dos últimos tempos, com uma música estranha, arranjos excêntricos, música empolgante. Oiça-se “Krauze”, o primeiro tema do CD: uma movimentação paquidérmica, os metais em aparente descontrolo (evocando a lógica festiva de Albert Ayler mas numa lentidão funerária), a bateria e a guitarra a fazer tudo menos o que se espera destes instrumentos. Que maneira de começar.
Pospieszalski usa peças para ensembles ou orquestrais (não o sabemos) e consegue manter uma enorme riqueza tímbrica com um grupo pequeno, o que muito se deve à capacidade que cada um dos músicos tem de usar o seu instrumento para além das abordagens conservatoriais. O uso de eletrónica, fitas magnéticas e outros elementos sonoros é muito bem pesado e feito com enorme bom gosto.
No final ficamos com um disco excelente que nos faz perguntar se, depois de ter descoberto o filão nórdico e o italiano, Pedro Costa da Clean Feed terá descoberto o mapa para um tesouro polaco?
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Polish Composers Of The 20th Century (Clean Feed)
Marek Pospieszalski
Marek Pospieszalski (saxofone soprano, alto, tenor, clarinete, clarinete alto, flauta & tape), Piotr Chęcki (saxofone tenor), Tomasz Dąbrowski (trompete), Tomasz Sroczyński (viola), Szymon Mika( guitarra elétrica e acústica), Grzegorz Tarwid (piano), Max Mucha (contrabaixo), Qba Janicki (bateria e soundboard)