Hugo Carvalhais: “Ascetica” (Clean Feed)

Hugo Carvalhais: “Ascetica” (Clean Feed)

Clean Feed

Gonçalo Falcão

Hugo Carvalhais é um músico de discos. Discos no sentido originário da coisa: obras. Discos como livros ou exposições: uma ideia, uma lógica, declinada em várias músicas, encerrada num registo embalado.

Ascetica” é o quarto de uma série inicial de cinco, não uma questão numerológica, cabalística ou resulte de um acordo maçónico. A explicação é muito mais prosaica: o contrabaixista (para já) tem cinco assuntos importantes que quer tratar artisticamente, através da música. E assim sendo, cada disco é uma questão relevante, pensada, tocada, gravada e editado como tal.

O músico explicou-nos que a sua primeira edição, feita em 2010, “Nebulosa” foi sobre o infinitamente grande. É, ainda hoje, um disco excecional.

2012 trouxe "Partícula", sobre o infinitamente pequeno. A música de Carvalhais mudou. Aumentou o trio inicial (Gabriel Pinto e Mário Costa) com o Tim Berne e Emile Parisien nos saxofones e o violino de Dominique Pifarély. Foi aqui que a música do contrabaixista se afirmou como definitiva. O contrabaixo e a composição muito particulares, os teclados de Gabriel Pinto e o modo como depois os saxofones e o violino encaixam é brilhante. Aquele grupo de pessoas, naquele contexto é muito mais do que a soma das partes.

"Grand Valis", o terceiro disco, saiu em 2015 e é sobre a natureza da realidade. Explora a dualidade filosófica irresolúvel entre a realidade enquanto coisa em si mesma ou enquanto construção mental. Desta vez sem bateria e com muito mais eletrónica junta os teclados de Jeremiah Cymerman aos de Gabriel Pinto. Um disco diferente que de um modo subtil se liga aos anteriores. “Grand Valis” não tem baterista

Foi preciso esperar mais sete anos para chegar o quarto disco, desta feita sobre a viagem interior. Foi muito bem gravado e por isso a primeira impressão que recebemos de “Ascetica” nas colunas da aparelhagem é um excelente som, claro, amplo. “Organun”, o tema que abre o CD rompe num assombro, com a bateria rapidíssima e uma frase completamente extravagante no sintetizador. Vem depois o contrabaixo e o clarinete. Está instalado o ambiente de “Ascetica”, tenso e distenso ao mesmo tempo, uma música que parece oscilar sempre entre duas lógicas contrárias. Só quase no final, perto dos cinco minutos (ooops) surge a frase musical que tudo apazigua e resolve numa enorme beleza. Tudo se passa em primeiro plano; nesta música não há fundos.

Os sopros assumem um diálogo permanente com os teclados de Gabriel Pinto (reafirmando: uma voz totalmente original no instrumento) que são como um planeta: criam uma atmosfera e uma gravidade para que a bateria e os sopros sobrevivam com originalidade. O contrabaixo articula, vai orientando. Está sempre à frente, de um modo discreto e ao mesmo tempo a estruturar. Mais pensativo está  frequentemente num contraponto com os metais. É sempre uma voz própria e nunca um acompanhante. Também Mário Costa em ritmos rápidos nunca faz o que seria lógico e ajuda na criação: nunca está a explicar o ritmo - na verdade nunca sabemos bem qual é - optando por estar sempre a construir ideias dentro das cadências que vamos intuindo. Tem um magnífico som de bateria.

“Penumbra”, a música que de algum modo define o meio do disco (5... outra vez), é uma respiração lindíssima que começa num diálogo entre o contrabaixo e o saxofone soprano, com o sintetizador a criar o meio onde diálogo entre o grave e o agudo se desenrola. Uma perfeição possível.

Ouvido na sequência estabelecida pelo músico, o disco continua a surpreender, com os temas a soarem sempre diferentes, como numa conversa em que as ideias de sucedem.

Reparamos que mantém o grupo “residente” com Gabriel Pinto e Mário Costa a que se soma o clarinete de Liudas Mockunas e os saxofones de Emile Parisien (tenor) e Fábio Almeida (alto).

No final, a razão de ser de todo este projeto, da montagem destas ideias e das equipas para as realizar, é uma procura, explica-nos o músico. Toda a estrutura racional busca apenas favorecer o aparecimento daqueles momentos irracionais, fugazes em que alguma coisa mágica acontece. É a beleza e a razão de ser do jazz, no fundo. A improvisação possibilita a criação de objetos musicais que que não podem ser construídos no pentagrama. Chamamos-lhes mágicos para facilitar, porque são inexplicáveis.

É para eles que Carvalhais trabalha. Há-os em “Ascetica”. Mais um grande disco de jazz.

  • Ascetica (Clean Feed)

    Hugo Carvalhais

    Hugo Carvalhais, (contrabaixo, eletrónica); Gabriel Pinto (piano, órgão, sintetizador); Fábio Almeida (saxofone alto, flauta); Émile Parisien (saxofone soprano); Liudas Mockunas (saxofone tenor, clarinete); Mário Costa (bateria)

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