Pedro Sousa: “Má Estrela” (Shhpuma / Futuro Familiar)
Shhpuma
O jazz sempre se fez de cruzamentos e os músicos de jazz sempre souberam que para a música avançar era preciso enriquecer o seu ADN com outros ritmos e melodias. “Má Estrela” é um disco de interseções: um modo de fazer avançar a música através da experimentação, neste caso com a eletrónica de dança.
Aproveitando o embalo dado pelo festival Rescaldo, o saxofonista Pedro Sousa lançou o “Má Estrela” na Shhpuma numa parceria com a sua própria editora, a Futuro Familiar. Mesmo antes de o colocarmos a rodar, o line-up denuncia uma forte presença da eletrónica.
Posto em audição, começamos por ouvir um dub vago que tem, lá no fundo, o baixo, a batida e o reverb dos Inner Circle, mas que é outra coisa completamente diferente. Encanta-nos desde logo a coragem de usar este tipo de materiais que podem pertencer a um sunset de rooftop num modo violentíssimo para o público da Smooth FM..
“Má Estrela” segue por um caminho que ainda não tinha sido explorado em Portugal e ao fazê-lo cria um novo itinerário, aqui e não só. Isto porque apesar do disco - em teoria assentar - sobre bases dançáveis (dub, dancehall, jungle, footwork) estas nunca se chegam a instalar completamente e são abstratizadas pelos músicos. Como se as estivéssemos a ouvir desfocadas, longínquas. Como se os ritmos de várias discotecas que ficam muito longe chegassem sobrepostos, difusos. O saxofone encontra uma forma interessante de poder lidar com este mundo, fazendo frases curtas como disparos, que por vezes acentuam cadências que não estão lá e outras vezes criam ciclos de poucas notas. Viaja entre o minimal cíclico, como o definiu La Monte Young, e uma pista de dança Dada.
A bateria está maioritariamente electronizada e raramente soa a alguma coisa que se assemelhe a uma bateria jazzística. Não sabemos se todo o trabalho rítmico é feito por Ferrandini, na bateria e com drumpads; ou se Bruno Silva e Simão Simões contribuem também para a batucada. Mas os elementos rítmicos têm um papel fundamental e estão extremamente bem tratados pois são eles quem tiram o disco de um ambiente empresarial para o mundo criativo, da experimentação e das propostas novas.
No final a audição é muito boa e diferente de tudo o que temos ouvido neste domínio. “Má Estrela”, na sua alucinação dançável, é um disco complexo e ao mesmo tempo fácil, mas nunca deixa que o atiremos para música de fundo, dando-nos sempre razões para não o abandonarmos, pois apesar de aparentemente ser um disco de ciclos e repetições, nunca o é.
O disco foi gravado ao vivo na ZDB, misturado e editado pelo próprio e masterizado pelo Carlos Nascimento.
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Má Estrela (Shhpuma)
Pedro Sousa
Pedro Alves Sousa (sax tenor, eletrónica), Bruno Silva (eletrónica), Simão Simões (eletrónica), Gabriel Ferrandini (bateria, drumpad, eletrónica), Miguel Abras (baixo elétrico)