Steamboat Switzerland: “Terrifying Sunset” (Trost)
Trost
Com o seu caleidoscópio sonoro de grande intensidade, os Steamboat Switzerland regressam com “Terrifying Sunset” para continuar a inquietar consciências, a questionar delimitações estilísticas e a não deixar pedra sobre pedra.
Nos idos de noventas, o pintor alemão Albert Oehlen (n. 1954) deixou-se fascinar pela obra “Tramonto Spaventoso”/“Terrifying Sunset” (1940-49) de John D. Graham, voltando, a partir de então, a interpelar de forma regular o trabalho do modernista norte-americano, nascido Ivan Gratianovitch Dombrowsky em 1886 na cidade de Kiev, então parte do Império Russo e hoje cercada pelas tropas de Putin. Graham emigrou para Nova Iorque em 1920, tendo sido mentor de artistas mais jovens como Jackson Pollock, Willem de Kooning e Stuart Davis.
Oehlen não se perde em rodeios para descrever “Tramonto Spaventoso”: «Achei-a espetacularmente má», disse em certa entrevista. Explicou que, essencialmente, essa obra funcionou para si como «uma espécie de veículo.» Se existe algo que se tornou rotina no prática de estúdio de Oehlen, ele próprio um improvisador, é essa tática de brincar criativamente com algo estranho, horrível, banal ou falso, reconfigurando elementos de maneiras diversas e estimulando o absurdo em várias composições (a sereia, o homem de monóculo, o bigode à Dalí).
A exposição “Tramonto Spaventoso” foi apresentada na totalidade, pela primeira vez, na Grand Theater Gallery da Marciano Art Foundation, em Los Angeles, entre junho e setembro do ano passado, como uma resposta pessoal e provocatória à Capela Rothko em Houston, Texas. (As pinturas de grande formato foram instaladas numa estrutura octogonal, replicando a forma da capela original.) A primeira parte havia sido exibida nas galerias Serpentine em Londres, em 2019–20 (quatro pinturas que opõem à contemplatividade de Rothko uma energia frenética), e a segunda na galeria Gagosian, em Beverly Hills, no início de 2021.
Foi neste contexto que Oehlen convidou os Steamboat Switzerland para criar música original que, mais do que servir enquanto mera “banda sonora” das exposições, interagisse com as obras e impactasse os visitantes. O “power-trio” suíço – Dominik Blum no órgão Hammond e voz, Marino Pliakas no baixo elétrico e Lucas Niggli na bateria –, conhecido há quase três décadas pela sua mistura brutal de jazz, heavy metal, psicadelismo extremo e música erudita contemporânea (estão sempre mais próximos dos Black Sabbath ou de uns Pink Floyd mais experimentais do que dos trios de Larry Young ou Jimmy Smith), apresentam duas peças com mais de vinte minutos de duração cada (gravadas ao vivo na Photobastei, em Zurique, e agora editadas pela austríaca Trost), que interagem com as pinturas, interpretando e transformando as estratégias visuais engendradas pelo pintor.
“Chimborazo=South=Face” impacta pela atmosfera incandescente, densa e rubra, que lentamente se metamorfoseia, sem que se comece por perceber bem quem faz o quê. Do turbilhão inexorável brotam, a espaços, o baixo hiperdistorcido de Pliakas, o órgão fumegante de Blum, os abalos sísmicos com epicentro na bateria de Niggli. Um fragmento hipnótico surge aqui, um inesperado “groove” ali, deixando os neurónios em permanente sobressalto. “Tiger=East=Face” volta a testar a resistência dos vuímetros, alternado passagens de travo rock e vocalizações guturais de Blum, com outras mais rarefeitas e abstratas. Na segunda metade da peça tudo parece acalmar, ou será essa serenidade uma ilusão dos sentidos?
Com o seu caleidoscópio sonoro de grande intensidade, os Steamboat Switzerland continuam a inquietar consciências, a questionar delimitações estilísticas e a não deixar pedra sobre pedra. Num mundo entorpecido como aquele em que existimos, só podemos exultar.
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Terrifying Sunset (Trost)
Steamboat Switzerland
Dominik Blum (órgão Hammond, voz); Marino Pliakas (baixo elétrico); Lucas Niggli (bateria)