El Gòtic

Alexandre Coelho Quartet: “El Gòtic” (Nischo)

Nischo

António Branco

A voz corrente costuma dizer que em equipa que ganha não se mexe. Mas até o mundo tem um fim, pelo menos tal como o conhecemos. Depois de ter dado à luz álbuns de boa estirpe como “Saturday” (2015) e “Sunday” (2016) – ambos editados pela Sintoma – e “Idiosyncrasies” (2017), na Carimbo Porta-Jazz, o quarteto liderado pelo baterista e compositor Alexandre Coelho, natural de Barcelos e estabelecido em Coimbra, regressa, quatro anos depois, com “El Gòtic”. Sabe-se agora que se trata do estertor da formação, que há pouco mais de um mês viu concluído o seu percurso.

 

Neste derradeiro registo, o quarteto, que se completa com João Mortágua – não cessa de impressionar a forma como este completíssimo saxofonista marca indelevelmente tudo quanto toca –, o pianista Gonçalo Moreira e o contrabaixista João Cação, interpreta 11 peças saídas da pena laboriosa e elegante do líder. A música dá passos não apenas no sentido de um verdadeiro alargamento das possibilidades sónicas do grupo, distanciando-se do rol referencial, mas também, e ao mesmo tempo, de um refinamento da interpretação, sendo o corolário lógico de todo o trabalho anterior.

 

É manifesto que a escrita de Alexandre Coelho continua a ter um pé na tradição e outro fora, buscando argumentos nos abundantes mananciais do be bop e do hard bop, eivados de “swing”, para depois processá-los com inteligência e audácia, injetando-lhes uma boa dose de contemporaneidade e, por que não, a espaços, de uma certa “portugalidade” (não confundir com nacionalismos serôdios). Os propósitos são claros: «Quero seduzir, ao contrário de agredir, a memória do ouvinte e a partir daí mostrar-lhe que me mexo de forma diferente. Quero que este participe nela, quero deslocá-lo, transportá-lo para o meu imaginário», diz o baterista-líder à jazz.pt.

 

A abrir, a peça-título, inspirada pela eterna magia do Bairro Gótico de Barcelona (onde Miró nasceu e Picasso viveu e trabalhou na viragem do século XIX para o XX), funda-se num motivo proposto pelo piano de Moreira, rampa para o grupo partir numa longa deambulação pelas vielas estreitas da cidade antiga, refletindo na música aquilo que parecem ser diferentes etapas, ou estados de espírito, que vão do fascínio à contemplação, do choque à surpresa. Aliás, esta noção de viagem está subjacente à generalidade das composições: em notas de apresentação, o baterista refere que aquelas pretendem «celebrar a confluência sensorial em que uma história, um lugar, uma memória espoletam no imaginário sons, melodias e canções.»

 

Segue-se jornada até destino mais longínquo, mas há muito capaz de fazer fervilhar a imaginação humana, o planeta Marte, numa peça marcada por pulsação abrasadora, que se estende e encontra respaldo nas inebriantes espirais sónicas de “Opium”. “Oh Carina!” é a primeira improvisação livre do álbum, centrada na sonoridade enigmática do instrumento ovoide que Mortágua levou para o Grande Auditório do Conservatório de Música de Coimbra, o local da gravação.

 

A atmosfera soalheira e reconfortante de “Heartful” dá lugar ao pendor vincadamente bop de “Déjà Vu”, uma apropriação muito particular de “Delfeayo's Dilemma”, de Wynton Marsalis, resgatada ao seminal “Black Codes (From the Underground)”, numa espécie de exorcismo, confessa-nos Coelho, de certos ídolos na sua música. Com a relojoaria melódica de “Superwomen”, presta sentida homenagem à sua mãe já desaparecida.

 

“Winds of Cairo”, com darbuka, saxofone soprano e Cação a recorrer ao arco, celebra o encantamento do autor pelo Egito. “Jump”, por seu turno, assenta numa efervescência rítmica notavelmente articulada com as harmonias do piano, sobre as quais paira o saxofone ágil de Mortágua, que explana e retoma, no final, um belo motivo melódico. Muito interessante é também a mais exploratória “One Two, One Two”, outra improvisação livre, com o baixo elétrico a inocular um “groove” contido, antecâmara para “Underground”, banda sonora de visita imaginária a um clube localizado no piso -11, de acesso limitado...

 

“El Gòtic” será porventura a mais eloquente prova da relevância do trabalho de Alexandre Coelho e deixa-nos expectantes acerca do que, finda esta fase, terá na manga.

  • El Gòtic

    El Gòtic (Nischo)

    Alexandre Coelho Quartet

    João Mortágua (saxofones alto e soprano, ocarina); Gonçalo Moreira (piano); João Cação (contrabaixo, baixo elétrico); Alexandre Coelho (bateria, darbuka, composições)

Agenda

30 Maio

Hugo Ferreira e Miguel Meirinhos

Maus Hábitos - Porto

01 Junho

Beatriz Nunes, André Silva e André Rosinha

Brown’s Avenue Hotel - Lisboa

01 Junho

Ernesto Rodrigues, José Lencastre, Jonathan Aardestrup e João Sousa

Cossoul - Lisboa

01 Junho

Tracapangã

Miradouro de Baixo - Carpintarias de São Lázaro - Lisboa

01 Junho

Mano a Mano

Távola Bar - Lisboa

02 Junho

João Mortágua Axes

Teatro Municipal da Covilhã - Covilhã

02 Junho

Orquestra de Jazz da Universidade de Aveiro & Shai Maestro

Auditório Renato Araújo - Universidade de Aveiro - Aveiro

02 Junho

Seun Kuti & Egypt 80

Auditório de Espinho - Espinho

02 Junho

Vasco Pimentel Trio

Fórum Cultural de Alcochete - Alcochete

02 Junho

Jam Session com Mauro Ribeiro Trio

GrETUA - Aveiro

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