Coreto: “A Tribo” (Carimbo Porta-Jazz)
Carimbo Porta-Jazz
Não sei que conclusões maiores se podem tirar do facto, mas o certo é que Portugal tem gerado uma quantidade de “ensembles” de largo número na área do jazz que, para o tamanho do País e para os seus recursos culturais, não é de todo compreensível. Na mesma altura em que este “A Tribo”, do portuense Coreto, é lançado, outros dois discos de formato orquestral entram igualmente em distribuição, designadamente “Lumina”, do Omniae Large Ensemble de Pedro Melo Alves, e “Las Californias”, do LUME – Lisbon Underground Music Ensemble. No início do próximo mês de Novembro, mais um se junta, “Trégua”, com José Valente à frente da Orquestra Filarmónica Gafanhense. Será uma consequência, precisamente ilustrada pelo último exemplo, do peso que as filarmónicas continuam a ter tanto na formação quanto no imaginário de tantos músicos no activo, os do jazz incluídos? Não é fácil responder a tal pergunta sem o devido inquérito junto da comunidade, mas fica a questão. Seja qual for o motivo, ainda bem que está a acontecer, dada a qualidade destas edições.
No caso do Coreto, ficamos com mais uma obra de especial relevância no seu trajecto e também nos desenvolvimentos do bigbandismo nacional para os quais vem contribuindo. A escrita de João Pedro Brandão para este agrupamento de 12 elementos abarca duas dimensões: a tradicional no que ao orquestralismo jazz respeita, com os recursos patrimoniais da corrente (aqueles cunhados por Duke Ellington, Count Basie e tantos mais), ou seja, uníssonos e contrapontos da secção de sopros escrupulosamente compostos e ensaiados, com solos improvisados de permeio, e outra que vem dos domínios mais vanguardistas, representada pela Sun Ra Arkestra, a Globe Unity Orchestra ou a Chris McGregor’s Brotherhood of Breath em realizações históricas que tiveram como propósito testar a liberdade no enquadramento da organização.
Esta bidimensionalidade do Coreto é chave para entender o que vai acontecendo ao longo de cada peça, e designadamente o factor mais importante de “A Tribo”: nunca conseguimos prever a direcção tomada pela música. Quando uma fórmula específica é utilizada, surge de súbito outra que a contradiz, e isso com uma naturalidade transitiva que nos desconcerta. A Parte VI do álbum, “Contemplação”, é o melhor dos exemplos. Verifique-se como evolui da Parte V e como segue para a VII no “continuum” estrutural imaginado por Brandão. Os dois pólos servem uma permanente mutação que, no seu caudal, acrescenta múltiplas referências, umas provindo do espectro de tendências do jazz, outras da música erudita, outras dos experimentalismos de ontem e de hoje. As cascas, os aspectos formais, são retirados para ficarem apenas os materiais, meticulosamente moldados estes para darem corpo a um Som, um Conceito. O que mais nos cativa neste disco é o modo como a própria diferencialidade que lhe serve como matriz sustenta um edifício tão sólido.
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A Tribo (Carimbo Porta-Jazz)
Coreto
João Pedro Brandão (saxofone alto, flauta, composição); José Pedro Coelho, Hugo Ciríaco (saxofone tenor); Rui Teixeira (saxofone barítono); Ricardo Formoso (trompete, fliscórnio); Susana Santos Silva (trompete); Daniel Dias (trombone, voz); Andreia Santos (trombone); AP (guitarra eléctrica); Hugo Raro (piano); José Carlos Barbosa (contrabaixo); José Marrucho (bateria)