Beatriz Nunes / Paula Sousa / André Rosinha: “À Espera do Futuro” (Nischo)
Nischo
Soltar o pensamento é o mote para escutar “À Espera do Futuro”, o álbum de Beatriz Nunes, Paula Sousa e André Rosinha. Gravado por Luís Candeias em plena pandemia (Dezembro de 2020) e editado pela Nischo, ficará na história associado ao tempo de pausa, da incerteza dos caminhos desconhecidos, da fragilidade de tudo. A época do encontro interior, com o outro, com a imperfeição. A época do momento de embalar.
“À Espera do Futuro” é um disco muito completo, com nove faixas que retratam diferentes ambientes. Em “Girassol”, a experiência sensorial traz-nos alguma tranquilidade e encontra a natureza: o outro, a floresta, o mar, o pôr-do-sol, o campo, as flores, dependendo do imaginário de cada ouvinte. Embora numa primeira escuta possa não ser perceptível aos ouvidos mais distraídos, este álbum encontra-se cheio de pequenos pormenores que levam para diferentes lugares sonoros - o jazz, o fado, a música “clássica” e a música popular portuguesa. Contudo, está certamente mais marcado pelo jazz, e isso verifica-se nos vários momentos de improviso dos três músicos.
Se na primeira faixa o movimento ondulatório do piano nos remete para o mar, como nos sugere o seu título “Navegante”, em “Quantas Horas” as harmonias mais dissonantes transportam-nos para um lugar inquietante, misterioso, triste, lembrando a “mística” das canções de embalar do cancioneiro popular português, com alternância entre o verso e uma melodia cantada no lugar do refrão, mas com uma estrutura jazzística – com apresentação do tema inicial, um momento de improviso e um de regresso ao tema. Podemos encontrar o fado nas ornamentações rítmicas e melódicas presentes em “À Espera do Futuro”, na introdução do piano, a que se junta o contrabaixo, mas que novamente muda para os caminhos do jazz.
Verificamos influências da música “clássica” em “A Minha Avó Tinha Uma Coisa”, em que Beatriz Nunes traz consigo a ideia de exploração e de treino de aquecimento da voz, o chamado “vocalise”, muito associado ao canto lírico. Neste CD, Nunes revela-se uma cantora cada vez mais madura, muito presente e segura. Em “Olho de Pato” demonstra-nos como a sua voz, com um timbre muito próprio, firme e versátil, pode ter vários alcances. Já é incontornável na cena nacional.
Paula Sousa volta a demonstrar as suas qualidades como pianista. Com um percurso bastante sólido, dispensa apresentações. Muito consistente e com um conhecimento vasto de diferentes géneros musicais, o seu piano tem um papel fundamental na condução da música, o que se torna mais notório com a ausência de percussão. As duas últimas faixas, “Primeiros Sintomas” e “Voar Sobre os Telhados”, destacam as qualidades de André Rosinha, que tem em todo o álbum um papel decisivo na ligação entre a voz e o piano. Na primeira o movimento ritmado do contrabaixo transporta consigo toda a herança do jazz e em “Voar Sobre os Telhados” a utilização do arco faz-nos regressar ao ponto inicial, à pausa do tempo, o momento da espera.
“À Espera do Futuro” é um álbum que resulta do colectivo, da criação conjunta, com composições dos três músicos, e revela, mais uma vez, a sua qualidade.
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À Espera do Futuro (Nischo)
Beatriz Nunes / Paula Sousa / André Rosinha
Beatriz Nunes (voz); Paula Sousa (piano); André Rosinha (contrabaixo)