Rodrigo Faina and Change Ensemble: “Different Roots” (Red Piano)
Red Piano
Rodrigo Faina é um compositor (também guitarrista) argentino a viver atualmente entre Holanda e Espanha. Com o Change Ensemble – coletivo que agrega mais de duas dezenas de músicos, de entre os quais vários nomes emergentes da cena holandesa do jazz aventuroso e das músicas improvisadas e outros que tocam regularmente em orquestras prestigiadas – acaba de editar “Different Roots” na norte-americana Red Piano. Faina estudou composição com Paul van Brugge e Klaas de Vries no Conservatório de Roterdão e tem colaborado com diversos maestros, músicos e formações europeias e americanas, como Asko|Schönberg Ensemble, DoelenEnsemble, Metropole Orchestra, Zapp4, Nederlands Blazers Ensemble, Kurt Rosenwinkel e Vince Mendoza.
Este registo constitui um decisivo passo em frente na sua evolução artística, depois de anos a escrever por encomenda obras dispersas para solistas e ensembles, assumindo agora o controlo artístico total do seu trabalho. Inspirado pelas experiências vividas durante a infância e a adolescência na sua Argentina natal e por várias referências literárias e musicais – o título do álbum é, por essa razão, autoexplicativo –, Faina esquiva-se habilmente a qualquer tipo de categorização. «É muito pessoal e envolve muitos sentimentos que podem ser contraditórios», diz o compositor à jazz.pt. «E definitivamente biográfico, como a maioria das coisas que faço. Para mim, compor é uma forma de catarse, preciso escrever sobre coisas que me preocupam ou me entristecem para poder deixá-las ir ou enfrentá-las», acrescenta.
Como ponto de partida para as peças que aqui escutamos, escolheu pequenos fragmentos de três livros – “O Aleph”, de Jorge Luis Borges, “Histórias de Cronópios e de Famas” e “Save Twilight”, ambos de Julio Cortázar –, não apenas pela sua beleza e poder evocativo, mas também pelas ligações a momentos e espaços da sua trajetória pessoal, numa relação entre palavras e música que apelida de «espiritual». «Quando leio esses fragmentos, vejo imagens e muitos sentimentos e sensações vêm até mim. Tento captar e transformar essas imagens e sentimentos em música, e acho que dá para sentir a presença do texto em todo o álbum, mesmo quando não está presente de forma explícita em todas as composições», sublinha Rodrigo Faina.
No plano sonoro, e de forma mais ou menos clara, são percetíveis múltiplas influências – do jazz, pilar central, à música clássica e mesmo ao tango. Funcionando como “big band” estendida, o Change Ensemble abrange um xadrez instrumental que permite amplas possibilidades tímbricas, exploradas por Faina de forma criativa e elegante, equilibrando a base rigorosamente escrita com as improvisações que dela emanam.
“Opening” enceta o álbum em tons solenes, com os sopros a emularem um vento distante. À medida que outros instrumentos se juntam, a peça ganha matizes de complexidade crescente, até que uma melodia simples a conduz ao final. Na sua cadência melancólica, “Deep, Dark and Blue” é marcada pelo canto sem palavras de Fanny Alofs e pelo piano anguloso de Folkert Oosterbeek. Um dos píncaros do álbum chega com “At Night”, peça que parte das palavras de Cortázar (o maravilhoso “Discurso do Urso”) e de onde se ergue um luminoso solo de Gerard Kleijn no fliscórnio. A atmosfera adensa-se em “A Room Full of People”, com as suas texturas orquestrais intrincadas, a partir das quais se instala um “groove” que serve de rampa de lançamento para uma intervenção flamejante do guitarrista Guillermo Celano. O último minuto é uma bela forma de se lograr o silêncio.
Em “An Installment of Time”, a voz que recita “Instruções para dar Corda ao Relógio”, de Cortázar, é envolvida por uma massa sonora encantatoriamente esdrúxula. A tensão dramática de “If I’m to Live” (certas construções de Gorécki acorrem de imediato ao pensamento) ganha muito com a forma como Alofs se apropria das pungentes palavras e com o lirismo do solo de Nils van Haften no saxofone soprano. Uma versão alternativa de “Deep, Dark and Blue” (onde certas premissas são mantidas, outras revistas) antecede “Dreams”, interpretada pela Metropole Orkest, peça “bónus” onde a pulsação nervosa se mescla com uma orquestração luxuriante. “Different Roots” é o primeiro de um conjunto de projetos que Rodrigo Faina irá desenvolver com este grupo de músicos. A qualidade demonstrada no tomo inaugural justifica plenamente que nos mantenhamos atentos aos seus próximos passos.
-
Different Roots (Red Piano)
Rodrigo Faina and Change Ensemble
Rodrigo Faina (composição, direção, guitarra elétrica); Fanny Alofs (voz); Marieke Franssen (flauta); Ilse Eijsink, Lars Wouters (clarinete, clarinete baixo); Paul van der Feen (saxofones alto e soprano); Kees Krabben (saxofone alto); Iman Spaargaren (saxofone tenor); Nils van Haften (saxofones soprano, tenor e barítono); Stefanie Liedtke (fagote); Marc Kaptijn, Erwin ter Bogt (trompete, fliscórnio); Gerard Kleijn (fliscórnio); Victor Belmonte (trombone, trombone baixo); Daniel Quiles Cascant (trombone); Dave Kutz (tuba); Jasper Le Clercq (violino); Nina Hitz (violoncelo); Guillermo Celano (guitarra elétrica); Folkert Oosterbeek (piano, Fender Rhodes); Clemens van der Feen (contrabaixo); Marcos Baggiani (bateria, percussão)