IKB: “Paradoxurus Hermaphroditus” (Creative Sources)
Esta noite (21 de Novembro), o IKB volta ao O’culto da Ajuda, em Lisboa, no contexto do Creative Sources Fest. Digo volta porque este “Paradoxurus Hermaphroditus”, acabado de sair, foi ali mesmo gravado no ano passado, e grande parte dos músicos que então incluíram este ensemble de formação variável, e que só depende de quem pode comparecer, estará de novo envolvida sob a que se prevê novamente discreta direcção de Ernesto Rodrigues. A receita é simples de enunciar e muito difícil de ter concretização: fazer com que uma formação de grandes dimensões (no caso deste CD são 20 os músicos) consiga não agitar demasiado a superfície do silêncio. É, pois, a partir de quase nada, meros murmúrios, que a música começa por ser construída. Com o tempo, muito lentamente, tudo se vai adensando, mas com a calmaria das ondas do mar a desenrolarem-se na areia de uma praia de Outono antes de virem as marés vivas, imagem que nos é suscitada pelo facto de cada acrescento ser seguido por uma diminuição.
Sentido de medida, contenção energética e, sobretudo, a noção de que cada interveniente é apenas uma pequena parte do todo são as únicas regras desta improvisação colectiva que, se decorre dos princípios do chamado reducionismo – tendência da música livremente improvisada de que Rodrigues é um dos principais representantes mundiais –, tem vínculos muito claros com os legados de Morton Feldman (a não-linearidade das progressões) e de Emmanuel Nunes (a ideia de renovação na continuidade). Quando tantos timbres estão mesclados como aqui, não há lugar para individualismos, mas ainda assim destacam-se algumas particularidades: o modo como a viola de Ernesto Rodrigues e o violino de Maria do Mar se combinam, as muito oportunas contribuições do acordeão de Mariana Carvalho (sendo que o seu instrumento principal é o piano), os minimalistas comentários ao piano de André Hencleeday e uma electrónica, a de Carlos Santos, que se faz sentir precisamente porque não se impõe. As paisagens em construção podem parecer melancólicas e desoladas, mas sem elas não repararíamos nas florescências, nas erupções de cor e luz, que vão acontecendo. Fascinante, como sempre com o projecto IKB…