Evans in England

Bill Evans: “Evans in England” (Resonance)

Resonance

António Branco

Londres, dezembro de 1969: um Bill Evans intrigado segue o cabo ligado ao microfone Beyerdynamic que encontrara segundos antes no chão, judiciosamente posicionado entre o piano e o contrabaixo. No outro extremo dá de caras com um meticuloso francês chamado “Jo” (o nome monossilábico destina-se a preservar o anonimato requerido) com um gravador Uher no colo, escondido debaixo da toalha de uma das primeiras mesas em frente ao palco do clube Ronnie Scott’s. Depois de informar que não eram permitidas gravações, o pianista pensou duas vezes e acabou por lhe pedir os registos para melhor perceber como o seu trio então soava (a prática repetir-se-ia nos anos seguintes com a aquiescência do músico; a partir desta ocasião, Jo acompanharia todos as digressões de Evans em solo europeu até agosto de 1980).

Um salto temporal até agosto de 2016 e encontramos o produtor Zev Feldman surpreendido com um “e-mail” que acaba de receber de alguém que ainda não conhece, Leon Terjanian, outro apaixonado colecionador, ativo no campo das artes e realizador não profissional de cinema, mas com acesso ao círculo próximo de Evans. (O filme “Turn Out the Stars”, realizado com a ajuda do seu amigo parisiense Francis Paudras, documenta um concerto do trio do pianista em Lyon, em 1978, tendo sido exibido em público uma única vez, durante a edição de 1981 do Festival de Jazz de Montréal.) Terjanian transmite a Feldman ter na sua posse gravações ao vivo de Evans até então nunca editadas. Seguiu-se um processo de escuta e análise detalhadas desse material, cujos resultados não deixaram margem para dúvidas quanto à qualidade musical e à relevância histórica para a compreensão desta fase de trabalho do trio.

Apesar de o pianista continuar a ser, à data, um músico bastante reconhecido nos Estados Unidos, o certo é que a expansão do rock, do funk e da soul retirou margem de manobra ao jazz e o número de concertos ressentiu-se disso mesmo. A Europa, em especial a sua parte mais setentrional, ao invés, mantinha a sua avidez pelo jazz, do mais “clássico” ao mais aventuroso, o que levou Evans e a sua “manager”, Helen Keane, a optarem por agendar digressões nessas paragens, que lhes ocuparam parte significativa do ano da primeira alunagem.

Essencial para a história do jazz, Bill Evans desenvolveu um modo particular de trabalhar a melancolia, sobretudo no formato de trio piano-contrabaixo-bateria – cujas premissas redefiniu –, escutando-se na plenitude da beleza sempre que se liberta de um certo calculismo. Tal como acontece em grande parte deste registo. Nas notas que acompanham o disco, Eddie Gomez enuncia o propósito do trio nessas apresentações: «Ter realmente uma conversa contrapontística, ser musical e fazer com que dançasse, cantasse e tivesse um resultado cerebral com muita expressão.» O contrabaixista recorda a personalidade reservada do pianista, que não era de ficar nos clubes terminada a função. Pela forma como desaparecia, Philly Joe Jones costumava chamar-lhe “Fantasma”. Gomez revela ainda que o pianista se sentia particularmente confortável na sala, não apenas porque gostava do piano e da sua afinação, como também, e porventura sobretudo, porque considerava o local especial e o público sério e conhecedor. «Era uma atmosfera estável e falavam inglês.»

Depois da edição de “Live at Art D’Lugoff’s Top of the Gate” (2012), “Some Other Time: The Lost Session From The Black Forest” (2016) e “Another Time: The Hilversum Concert” (2017), os dois últimos gravados na digressão de 1968 (ainda com Jack DeJohnette na bateria) – todos com Gomez –, a Resonance retoma a exploração de joias perdidas do legado de Evans com a edição de “Evans in England”, em que as gravações furtivas de Jo veem, finalmente, a luz do dia.

A presença do trio no clube londrino estendeu-se de 1 a 27 de dezembro de 1969. A sinergia entre os três músicos é assinalável e a música magnífica. Gomez e Morell são decisivos para o resultado final, superlativos nos seus papéis, ainda que jamais obnubilando a centralidade do piano. Os clássicos estão cá todos, inatacáveis: “Our Love is Here to Stay”, “Stella by Starlight”, “My Foolish Heart”, “Round Midnight” ou “Come Rain or Come Shine”. Todos inoculados com o toque distintivo do pianista, que, como poucos, a cada conto acrescentava um ponto. Mas outros diamantes brilham.

“Waltz for Debbie” surge aqui numa leitura mais rápida do que o habitual, facto que a diferencia de outras mais reféns do tempo original. “Who Can I Turn To (When Nobody Needs Me)” mostra o pianista exibindo maior pujança pianística do que em outras versões, avultando igualmente o notável solo de Gomez, que dura quase metade da peça e antecede um final soberbo, com Morell exímio no aprumo com que trabalha escovas e címbalos. “Re: Person I Know” é um blues de recorte clássico que provém de “Moon Beams”, álbum de 1962, tratado de forma exemplar. (O título, como se sabe, é um anagrama do nome do produtor da Riverside, Orrin Keepnews. Evans adorava enigmas.)

Como o título denuncia, “Very Early” é um dos primeiros originais do pianista, quando este ainda frequentava a Universidade do Sudeste da Luisiana, que começa tranquilo e vai ganhando intensidade. Outro momento que merece nota especial é “Goodbye”, peça de Gordon Jenkins com que a orquestra de Benny Goodman costumava encerrar as suas aparições radiofónicas no final da década de 1930. As então novidades “Sugar Plum” e “The Two Lonely People” (que só conheceriam edição discográfica em “The Bill Evans Album”, de 1971) e “So What”, versão do ícone que gravara uma década antes com Miles Davis, fazem de quaisquer palavras adereços supérfluos.

O espantoso é concluir que, meio século depois destas gravações, há ainda todo um Bill Evans por descobrir.

  • Evans in England

    Evans in England (Resonance)

    Bill Evans

    Bill Evans (piano); Eddie Gomez (contrabaixo); Marty Morell (bateria)

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