Joshua Redman Quartet: “Come What May” (Nonesuch)
Nonesuch
O jazz é, na melhor das formulações, a música da interação, da imprevisibilidade, do risco. Há muito se debate até que ponto a relação pessoal entre os músicos é determinante para a criação, em especial quando esta se desenvolve em tempo real, com pouca ou nenhuma rede.
Porventura o mais paradigmático dos exemplos históricos neste campo, Duke Ellington, compunha a pensar nas características peculiares dos músicos da sua orquestra. Muitos outros músicos poderiam ser citados enquanto agentes criadores que, independentemente dos diferentes contextos e projetos em que estejam envolvidos, não prescindem de um núcleo duro de colaboradores. (É claro que a questão pode colocar-se de outra perspetiva: até que ponto essa teia de cumplicidades pode coartar a espontaneidade e banalizar o processo.)
Em entrevistas que anteciparam o lançamento de “Come What May”, o saxofonista Joshua Redman (n. 1969) enfatizou o «nível de confiança e empatia, musical e pessoal» que permite aos músicos estarem «relaxados e livres». Neste disco, porém, a empatia não é um fim em si mesma e muito menos um capitalizar dos louros do passado. O pianista Aaron Goldberg, o contrabaixista Reuben Rogers e o baterista Gregory Hutchinson são os comparsas ideais para suportar a visão musical de um dos grandes saxofonistas do nosso tempo, retomando um quarteto formado há quase duas décadas e que nos deu “Beyond” (2000) e, sobretudo, o notável “Passage of Time”, no ano seguinte.
Os quatro músicos não pararam de tocar em conjunto, em diferentes configurações. O trio sem o pianista, por exemplo, está documentado em “Trios Live”, de 2014, precisamente o ano em que o saxofonista retomou a escrita para o quarteto. Passados tantos discos e colaborações, e depois de no ano passado nos ter oferecido “Still Dreaming”, um tributo ao seu progenitor, o venerável Dewey Redman, Joshua regressa com um disco totalmente preenchido por composições de sua autoria, o que já acontecia nos dois registos anteriores do quarteto. Foi preciso todo este tempo para voltarem ao formato e os resultados são plenamente satisfatórios: a formação soa melhor do que nunca.
Sendo o líder, Redman não deixa de conceder aos três músicos considerável espaço de manobra, que vai muito além do mero acompanhamento funcional. As peças revelam um largo espectro temático, exalando a tal empatia burilada ao longo dos anos, exemplarmente vertida em peças como “DGAF” e o seu funk robusto (o baterista dá uma lição de precisão e vigor rítmicos) e, em contraste emocional, o tema-título, balada pungente com todos os seus pertences, em tons otimistas (Rogers é trave mestra).
A abrir o disco, “Circle of Life” exibe a fluidez do discurso de Redman, assente nos acordes graves do pianista e na inatacável assertividade da secção rítmica. De “I’ll Go Mine” sobressai a clareza das linhas desenvolvidas por Goldberg, que patenteia exímia complementaridade entre as mãos. A agitação regressa com “How We Do”, peça rápida e exemplar em termos de concisão, com o motivo central a ser desconstruído e reconstruído. Em “Stagger Bear”, blues com laivos de charleston, as linhas sinuosas do líder, a pulsação firme e de novo a gravidade pianística alimentam um “groove” de alta intensidade. A tranquilidade de “Vast” encerra a função da melhor forma, com os soberbos tons aveludados do saxofone de Redman e um motivo circular proposto por Goldberg a desenharem a apaziguadora melodia.
“Come What May” é um disco pleno de elegância e maturidade, que em boa hora nos traz de volta um quarteto irrepreensível.
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Come What May (Nonesuch)
Joshua Redman Quartet
Joshua Redman (saxofone tenor); Aaron Goldberg (piano); Reuben Rogers (contrabaixo); Gregory Hutchinson (bateria)