Mark Lotz Trio: “The Wroclaw Sessions” (Audio Cave)
Audio Cave
O ano de 2019 está a ser particularmente produtivo em termos discográficos para Mark Alban Lotz, flautista alemão radicado na Holanda, país onde, à sua semelhança, se fixaram nomes relevantes dessa família de instrumentos, como Ronald Snijders e Peter Guidi. Se em janeiro já havia editado “Live at the JazzCase”, que documenta uma apresentação ao vivo na cidade belga de Neerpelt, com o mais emblemático dos seus projetos, Lotz of Music, regressa agora, em formato de trio, com “The Wroclaw Sessions”.
Flautista tentacular que divide a sua atividade por inúmeros projetos (que se estendem a Portugal), Lotz prossegue uma visão idiossincrática da música e dos instrumentos, assumindo-se como trotamundos. A sua abordagem assenta no processamento criativo de elementos procedentes da música clássica, das músicas tradicionais de várias partes do planeta e do jazz, entendido numa perspetiva lata e aberta a contaminações de vária ordem, num todo multidimensional que não perde a coerência.
Neste registo, que o músico assume como sendo o seu regresso ao jazz, faz-se acompanhar por dois jovens músicos polacos, o contrabaixista Grzegorz Piasecki (quem propôs a Lotz a ideia de gravaram em conjunto, algo que não estava planeado) e o baterista Wojciech Buliński. O que se escuta é o resultado de uma única sessão de estúdio, realizada em março de 2018 na cidade de Wroclaw, histórica capital da Silésia, que não foi desprovida de contratempos: Lotz vinha de vários dias intensos de concertos e “workshops” e o baterista estava com febre alta (a certo ponto foi mesmo mandado para casa, o que motivou os três duetos flauta/contrabaixo). Mas a química que rapidamente se estabeleceu entre os músicos suplantou as contrariedades e uma sessão que começou informal culminou numa música fresca e de horizontes largos.
Se nos registos mais recentes de Lotz era evidente a influência da postura exploratória de um Robert Dick, de quem será natural continuador, desta feita são sobretudo os ecos de Yusef Lateef, Sam Rivers ou mesmo de Eric Dolphy que se descortinam. Estamos perante um trio em que a flauta avoca natural protagonismo, mas com contrabaixo e bateria com bastante margem para intervenção. A flauta não subjuga, antes interage em equilíbrio de forças com a secção rítmica.
O repertório selecionado é heterogéneo e nele coexistem composições próprias, revisitações de obra alheia e improvisações livres. Uma excelente leitura de “Euterpe” (composição de Sam Rivers incluída originalmente no inescapável “Contours”, gravado em 1965) abre o disco e desde logo coloca alta a fasquia. “Franz” revela uma atmosfera mais recatada, traduzida pela beleza melódica das linhas desenhadas pela flauta, o contrabaixo sóbrio, a percussão contida. Em “Raaste Men”, composição creditada a Lotz e ao flautista indiano Hariprasad Chaurasia, sintonizamo-nos com uma ancestralidade oriental que convida à introspeção. Flauta e contrabaixo fazem de “Lullaby for Tymon” uma comovente canção de embalar.
Igualmente merecedores de nota são o balanço alegre, quase dançante, de “Pata Pata”, canção-emblema da sul-africana Miriam Makeba, e a leitura de “Segment”, de Charlie Parker, que começa lenta, quase austera, mas que rapidamente ganha uma vivacidade bop com um “drive” imposto por uma secção rítmica em ebulição, que uma desenfreada flauta cavalga. De novo em duo, “Song of Delilah” retoma a melodia familiar da canção de Victor Young para o épico “Sansão e Dalila” (1949), realizado por Cecil B. DeMille. Em absoluto contraste, “Slap, Kick & Stop” é uma vinheta de recorte mais experimental, que faz a ponte para os últimos registos de Lotz, através do recurso a técnicas menos convencionais. Um disco recompensador, pleno de musicalidade e aventura.
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The Wroclaw Sessions (Audio Cave)
Mark Lotz Trio
Mark Alban Lotz (flautas em dó, alto e baixo, efeitos); Grzegorz Piasecki (contrabaixo); Wojciech Buliński (bateria)