Cement Shoes: “Opus Caementicum” (Gaffer Records)
As intermitentes colaborações entre Giovanni Di Domenico e Gonçalo Almeida tiveram antes destes Cement Shoes (o pianista e o baixista mais o baterista Balázs Pándi) resultados tão díspares quanto o krautrock “fake” dos Going e a improvisação mediada entre a tradição do free jazz e o experimentalismo dos Tetterapadequ. Ao terceiro projecto comum é outro ainda o caminho percorrido, e este até mais inverosímil: se o músico português desempenha em “Opus Caementicum” alguma coisa do que lhe ouvimos nos Albatre e nos Ikizukuri, o de origem italiana vai ainda mais longe na sua utilização de um Fender Rhodes equipado com pedais de efeitos de guitarra, mais parecendo ao longo deste disco tratar-se de um sintetizador analógico. Imaginem o cruzamento de um Sun Ra focado nos teclados electrónicos com os pesadíssimos e hipnotizantes Om e estarão perto do que vem aqui, um electro-jazz cósmico que se delicia com a diluição, uns nos outros, dos agudos mais agudos de um piano eléctrico em quase permanentes sustenidos e dos subgraves de um baixo que passa as correntes doom e black metal pelo crivo referencial de Bill Laswell, com a bateria grudando tais oposições de timbre por meio de síncopes à beira do enfarte de miocárdio.
Todos os temas têm títulos em Latim, mas não numa tentativa romanesca de configurar algo que é antigo: o tipo de cruzamentos aplicado não só – tanto quanto sei – é inédito como não lembra ao diabo, para utilizar uma expressão popular. Esta é uma daquelas obras que ou ficará como um caso único na história da música do século XXI ou fundará uma nova tendência musical. Algo que combina forças enérgicas diametralmente opostas: as cintilações estelares activadas por Di Domenico convidam-nos a voos psicadélicos para além do firmamento, enquanto a gravidade gerida por Almeida nos obriga a descer à terra. No meio destes dois imãs sensoriais estamos nós, apenas capazes de levitar uns metros acima do chão e quase caindo com as vibrações do bombo obsessivo-compulsivo de Pándi. Em suma, cá está um CD capaz de nos proporcionar uma ímpar experiência de escuta.