Seppe Gebruers / Hugo Antunes / Paul Lovens: “The Room: Time & Space” (El Negocito Records)
Durante os anos em que esteve radicado em Bruxelas e depois do seu regresso a Lisboa, o contrabaixista Hugo Antunes tem estado envolvido em alguns dos mais cativantes projectos que nos chegam aos ouvidos, seus ou em colaboração com outros músicos, nacionais (caso da sua associação a Rafael Toral) e de outros países (por exemplo, com Giovanni Di Domenico). Um em particular se destaca, o do trio que formou com o pianista belga Seppe Gebruers e o baterista alemão Paul Lovens, e logo pelo facto de se dedicar a uma prática exploratória da improvisação com uso de microtons. Gebruers utiliza dois pianos em simultâneo, afinados entre si com distâncias de quartos-de-tom, de modo que funcionam, nessa relação, como um só instrumento. Em concordância, o contrabaixo de Antunes, tocado com e sem preparações, e a bateria de Lovens, a que este acrescenta outros recursos percussivos, colocam-se à partida fora das convenções da música ocidental dos nossos dias, e inclusive as da improvisada e do jazz criativo, dando-nos uma outra perspectiva das suas respectivas identidades. No caso do interveniente da cidade de Aachen, tal circunstância é especialmente relevante, pois trata-se de um veterano que esteve na Globe Unity Orchestra de Alexander von Schlippenbach no início dos anos 1970, com este gravando também o referencial “Pakistani Pomade”, e que na década seguinte surgiu ao lado de Cecil Taylor em “Leaf Palm Hand” e “Regalia”.
Mas se é a microtonalidade que distingue “The Room: Time & Space”, o próprio título deste álbum gravado ao vivo indica-nos que o conceito por detrás da música é outro e bem menos definível tecnicamente: a influência que o espaço de uma actuação tem no acto criativo. Como escreveu Paul Lovens nas “liner notes”: «As salas têm uma parte central e misteriosa em muitas manifestações da imaginação humana.» Aspectos enumerados pelo baterista como a forma de uma sala, o tamanho, a luz, as cores, a acústica, os cheiros, a temperatura ambiente, a humidade, etc., podem «criar um certo “espírito”». Pois toda esta música é o espírito de um lugar, o do ke nona de Mechelen, um «pequeno e sombrio» teatro belga. Se os “Rooms” que nos vão sendo apresentados numericamente, na sua introspectividade (a introspecção enquanto actividade, porque é impossível ouvir estas cinco peças passivamente), convidam a um mergulho no interior das nossas mentes, o que aqui vem documentado (sem posterior edição de estúdio, como na ficha técnica se salienta) é, na verdade, a ocupação do espaço que circunscrevia o ar e os corpos dos presentes, entre músicos e público assistente, como se a arquitectura fosse uma mente simbiótica, apenas determinável pelos contornos das paredes, algo que se ia construindo na comunhão das consciências e dos corpos individuais, algures em muitos pontos de intersecção. Algo de metafísico até, o que faz deste um disco deveras especial.