João Pais Filipe: “João Pais Filipe” (Lovers & Lollypops)
Figura incontornável dos circuitos da improvisação e do experimentalismo em Portugal (o seu currículo refere dedicações como Fail Better!, Rafael Toral Space Quartet, Pedra Contida, Sektor 304 e HHY & The Macumbas), João Pais Filipe tem neste disco homónimo o seu primeiro a solo e aquele em que tudo o que vem realizando converge num mesmo conceito estético – um conceito a que não é alheio o seu trabalho paralelo como construtor de gongos e outros instrumentos metálicos de percussão. A este chama de “ethno-techno” porque explora, em simultâneo, características que pertencem tanto às músicas ditas tribais ou ritualísticas como à electrónica de dança. Outras referências podemos ainda encontrar ao longo dos três temas reunidos, “Kavusan”, “Nine Doors” e “Konorak”, e estas vão desde o melodismo baterístico de Max Roach ao “groove” obsessivo e hipnótico de Jaki Liebezeit, o que define bem o carácter inclusivista e sincrético das perspectivas aqui magnificamente aplicadas.
Se, como seria de esperar, o ritmo está na base de tudo o que ouvimos, e regra geral com métricas que têm tanto de precisas quanto de estonteantes, neste álbum cabe igualmente um visionarismo harmónico que chega a ser tão assombroso quanto os “beats” armados com peles e pratos. O que um pianista pode ter de orquestral naquilo que tira do teclado é o que Pais Filipe faz com a bateria, dando a esta outros papéis que não aqueles que lhe são usualmente configurados – nesse aspecto, justifica-se plenamente a alusão promocional de que estamos perante uma «nova direcção sonora». As construções podem soar mecânicas na sua implacável repetição de módulos ou na minimalista e lenta (apesar da rapidez das batidas) transfiguração sofrida pelos mesmos, mas não podiam ser mais orgânicas na expressão. Só isso bastaria para que o músico do Porto se destacasse, mas há mais em oferta: um sentido de musicalidade que aspira sempre a ir mais além. Bravo!