Rafael Toral: “Space Quartet” (Clean Feed)
Foi Pedro Costa, o director executivo da Clean Feed, quem me deu as pistas para ouvir este disco como deve ser. Disse ele: «Ouve os solos como se fossem dois saxofones a tocar.» E, de facto, é esta a melhor abordagem à audição do Space Quartet, que apresenta uma formação muito original: uma secção rítmica jazzística, acústica e ultra sólida, com João Pais Filipe na bateria e Hugo Antunes no contrabaixo, e duas “coisas” por cima a solar, manipuladas por Rafael Toral e Ricardo Webbens. As ditas coisas são circuitos alterados (“circuit bending”) e sintetizadores, instrumentos nos quais Toral se vem especializando há vários anos. Os dois sons espaciais podem começar por ser ouvidos como saxofones, mas rapidamente se autonomizam e adquirem vida própria. Os dois solistas tocam com interesse e energia, ora soando a computadores dos anos 1980 muito zangados, ao ZX Spectrum em “loading” de “software” ou a elementos sonoros de sondas perdidas nos confins dos quadrantes espaciais.
Para que a fórmula funcione e o disco se ouça com prazer é fundamental reconhecer o papel importantíssimo da bateria, brilhantemente tocada por João Pais Filipe. O percussionista tem se especializado na invenção e no fabrico de gongos e a matéria metálica está muito presente no modo como toca, mas também usa a bateria convencional com muita originalidade, soando a um clássico. É notável todo o seu trabalho, pois é ele que sustenta o disco e lhe dá coerência. Neste capítulo do sustento, é basilar também referir o contrabaixo de Hugo Antunes. Portugal tem a sorte de ter vários contrabaixistas excelentes e Antunes destaca-se por ter uma sólida formação técnica, que lhe permite navegar à vontade em esquemas rítmicos mais convencionais, sendo também interessante quanto toca livremente e improvisa. Sublime, o “walking bass” no final do segundo tema e o modo como ele se integra na batida techno com que Filipe o interrompe. Um grande disco que abre um caminho imprevisto para o jazz, no trilho aberto por Sun Ra.