Jorge Ferraz: “Machines for Don Quixote et Viva la Muerte” (Cobra)
Aviso à navegação: Jorge Ferraz não toca jazz nem nunca pretendeu fazê-lo. Trata-se, aliás, de uma das mais importantes figuras da história do rock alternativo português, tendo desempenhado um papel especialmente relevante na década de 1980, com o grupo (instrumental, coisa rara na época) Santa Maria Gasolina em Teu Ventre, e depois com Ezra Pound e a Loucura. E no entanto, a sua constante procura de novas possibilidades e o facto de colocar a crueza e a espontaneidade criativas em primeiro plano tornaram-no numa referência para alguns improvisadores. Por exemplo, o saxofonista Rodrigo Amado, que chegou a pertencer a uma banda de que Ferraz foi co-fundador com João Peste, Acidoxibordel. Com apenas dois discos (de resto pouco interessantes) editados desde essa época, o guitarrista parecia perdido para o mundo, muito devido à sua decisão de encetar uma carreira académica no domínio da sociologia. É, pois, com surpresa que se regista o seu regresso às lides, e para mais com uma selecção de propostas musicais que pode estar entre o melhor que fez até à data.
O que “Machines for Don Quixote et Viva la Muerte” tem de mais atraente para os amantes do jazz, da música livremente improvisada e até da experimental é o facto de clarificar as relações com estas tendências que estavam subjacentes na sua música. Aliás, Jorge Ferraz enumera-as nos quatro núcleos com que organiza o alinhamento do disco. O segundo intitula-se “Free Rock Songs for Losers and Romantics” e é, de facto, free rock o que ouvimos – o equivalente do free jazz no rock, algo que, por vezes, parece até estar mais próximo do jazz do que do rock, se bem que aqui nos deparemos, por exemplo, com o tema “There is No Second Time and I Feel Fine”, que em toda a sua estranheza é uma canção convencional, na linha de uns Depeche Mode. O quarto núcleo tem como nome “Fake-Jazzy Adventures with Alien Breakdowns and Broken Instruments”, e se o elemento “fake” é mais real do que no fake jazz dos Lounge Lizards de John Lurie, a vontade de manipular determinados aspectos do formato jazz é bastante esclarecedora. Por mais caricaturais (“Sax Bitch”) que sejam os resultados, sabendo nós que um género musical é sempre uma máscara da música que está por detrás.