Jorge Queijo: “Abstract Thoughts II” (New Corporation)
É conhecido o fascínio que muitos bateristas têm pelo piano, mas regra geral são poucas as realizações musicais públicas que o testemunhem. Pois acontece que no mesmo ano em que Marco Franco lançou o seu “Mudra” como pianista, chega-nos também em piano solo este “Abstract Thoughts II”, de Jorge Queijo, editado em simultâneo nas plataformas digitais e em cassete (juntamente com uma escultura em cerâmica de Sofia Beça), esse velho suporte a que hoje se vai retornando com frequência. As abordagens são totalmente distintas, se bem que ambas compensando uma evidente falta de técnica pianística, não só assumida como ostensivamente aplicada, com outras mais-valias, e em particular uma notável capacidade de construir ambientes e atmosferas que nos conseguem agarrar a audição: se Franco foi beber aos legados de Erik Satie, do impressionismo e do neo-classicismo, posicionando-se algures entre o que temos ouvido de Joana Gama e Tiago Sousa, Queijo é mais experimental, recorrendo ora a elementos derivados do pós-serialismo, ora a uma discursividade jazzística, por vezes parecendo o multiforme Rodrigo Pinheiro numa versão deliciosamente “naive”. Enquanto Franco se propôs fazer com o piano aquilo que não pode com um “drumkit”, o Jorge Queijo pianista tende a utilizar o staccato e o ostinato como figuras recorrentes, assim denunciando a sua condição de percussionista, mas também o seu interesse em criar harmonias.
A edição surge num período de particular criatividade do músico portuense, de que resultaram antes álbuns como “SSS-Q + Carlos Guedes”, com a adição da electrónica de Guedes à dupla de Jorge Queijo e Susana Santos Silva, e “Deep in the Forest” dos Tubab, o duo de Queijo com o tubista Sérgio Carolino. Corolário de um percurso que teve como pontos altos a associação com Nate Wooley, Chris Corsano, Hugo Antunes e Mário Costa constante em “Purple Patio” e com Hiroki Chiba e Yoshio Machida em “Luminant”, para já não referir a incursão pelo rock com “Escabroso”, dos Torto, estas improvisações continuam o que vinha em “Abstract Thoughts”, de 2013, registo em que Queijo utilizou não o piano, nem a bateria, mas dispositivos electrónicos, também neste caso com uma atitude de descoberta (por exemplo mediante a manipulação dos “glitches” de um leitor de CDs) que o diferenciou de outro baterista do Porto que recorre episodicamente a tal instrumentação, Gustavo Costa.