Spontaneous Music Ensemble: “Karyobin – Are the Imaginary Birds Said to Live in Paradise” (Emanem)
Todos os géneros e tendências musicais têm pelo menos uma obra fundadora, aquela que no decurso da história, pela sua novidade, abriu um caminho que outros, ou os mesmos em configurações posteriores, percorreram. Nalguns casos esse pioneirismo deu melhores frutos mais adiante, mas no específico da chamada “música improvisada europeia” dificilmente podemos apontar uma que tivesse sido mais seminal do que “Karyobin”, disco originalmente editado em 1968 pelo Spontaneous Music Ensemble do baterista britânico John Stevens. Se hoje é encarado como um modelo da improvisação integral, o que no álbum ficou plasmado nunca mais se repetiu. A reedição pela Emanem do LP, com uma nova mistura e uma nova masterização (as melhores de sempre), tem a mais-valia de ainda nos surpreender, quase 50 anos depois.
Na altura, nenhum dos músicos do então quinteto era particularmente conhecido, Kenny Wheeler e Dave Holland incluídos. O trompetista de origem canadiana estava ainda a afirmar o seu estilo único e suave, mais largamente revelado no seu primeiro álbum para a ECM, “Gnu High”, em 1975, com a companhia de Keith Jarrett, o mesmo Holland que aqui encontramos e Jack DeJohnette. Dave Holland estrearia a sua colaboração com Miles Davis uns meses depois deste registo, surgindo em metade de “Filles de Kilimanjaro”, com Wayne Shorter, Chick Corea e Tony Williams, e só em 1972 teve o seu primeiro título como líder, “Conference of the Birds”, a si juntando Anthony Braxton, Sam Rivers e Barry Altschul. Também o próprio Stevens e os restantes músicos, Evan Parker e Derek Bailey, estavam nos começos dos seus respectivos percursos, e daí que o vinil tenha saído com erros nos créditos: Wheeler vinha identificado como Wheel e Derek como Denny. A música é conversacional e muito baseada na escuta colectiva, indo do atonal ao bruitista, com claras influências tanto de John Cage nos domínios da música erudita quanto do que então propunha a AACM no campo do jazz, interpretando o canto dos pássaros de uma forma bem diferente da de Messiaen. Sobretudo, percorre-a um sentido de mistério e uma fragilidade notáveis, só possíveis quando se está a descobrir um tipo de abordagem sem precedentes. Hoje só Parker e Holland estão vivos e no activo, mas os restantes nunca os poderemos esquecer.