Per Gardin / Pedro Lopes / Rodrigo Pinheiro: “History of the Lisbon Chaplaincy” (Creative Sources)
Não tenho registo de alguma vez se ter utilizado dois instrumentos tão diferentes quanto um órgão de igreja (pelo pianista Rodrigo Pinheiro) e um par de gira-discos (por Pedro Lopes), representativos de duas realidades musicais bem distintas, uma de tradição sacra, a outra bem mundana, nascida nos circuitos da música de dança – ainda que os ditos gira-discos sejam aqui tocados como um dispositivo de percussão e não segundo as técnicas de “scratch” do DJing. Já vários exemplos de associação de um saxofone (o soprano e o alto de Per Gardin) e um órgão de tubos existem na música improvisada, como o muito especial co-protagonizado por Evan Parker e Sten Sandell. O curioso nestas últimas incursões é que o factor de elevação mística induzido pelo mais cristão de todos os espécimes da organologia ocidental se manteve intacto, já não acontecendo isso neste “History of the Lisbon Chaplaincy”.
A abordagem percussiva de Lopes não retira às “turntables” a sua natureza instrumental electrónica, e tanto assim que o próprio Fincham (o da St. George’s Church de Lisboa, também conhecida como Igreja dos Ingleses) de Pinheiro soa frequentemente como um sintetizador – nesse aspecto aproximando-se mais do que o mesmo faz com um iPad ou com um Fender Rhodes traficado por pedais de guitarra eléctrica do que com o piano preparado. Pesada, densa, obscura, misteriosa, esta música não é uma versão negra das missas brancas, mas outra coisa. A dimensão espiritual do disco não é necessariamente menor – o que ouvimos convida-nos igualmente à meditação e à instrospecção -, mas sem dúvida que tem muito menos conotações religiosas. Um saxofonista como Gardin, com um percurso de experiências tão distintas quanto as de interpretar as músicas de Terry Riley e Don Cherry, está neste contexto como peixe na água e, tal como os seus parceiros portugueses, pega nas linguagens-tipo escolhidas como base para criar um esperanto que largamente as transcende. Mas se dá gosto ouvi-lo a serpentear por entre as massas de som dos seus companheiros, são estes que mais nos chamam a atenção. O que Lopes e Pinheiro vão fazendo surpreende-nos a cada instante…