Pedro Melo Alves: “Pedro Melo Alves’ Omniae Ensemble – Prémio de Composição Bernardo Sassetti 2ª Edição” (Nischo)
Durante demasiado tempo, no nosso país, a composição de jazz ou era apenas funcional, colocada ao serviço da improvisação apenas porque se considerava que esta tinha de seguir alguma cifra, ou correspondia a uma presunção criativa que a tornava maneirista, barroca e ornamental, ainda que incapaz de esconder um confrangedor vazio de substância, de sentido e, em alguns casos, até de gosto. Sempre com honrosas excepções, tendo a mais notável sido, sem dúvida, a de Bernardo Sassetti, o compositor-pianista que o Prémio de Composição com o seu nome procura homenagear. Nos últimos anos esse cenário mudou radicalmente, e sobretudo graças a uma nova geração de músicos para quem a escrita tem ganho uma cada vez maior importância na expansão das suas personalidades musicais enquanto instrumentistas. Pedro Melo Alves, o segundo vencedor do Prémio em questão, vem estabelecer uma fasquia bem alta no nível de qualidade a que, neste domínio, se chegou.
As peças integradas neste disco, aquelas que mereceram do júri formado por Mário Laginha, Carlos Azevedo e Carlos Martins a escolha do baterista que conhecíamos já do The Rite of Trio, estabelecem finalmente uma ligação – aquela que ainda faltava sedimentar pelo lado português – com a linhagem histórica que “sentou” o jazz depois de este se ter afirmado como uma música de dança, não encarando essa nova condição concentrada na escuta da forma vulgar, como um sentar clubístico, num banco de bar, à frente de um uísque e de um pratinho com amendoins. Nas partituras de Melo Alves tocadas pelo próprio com José Soares (saxofone alto), Gileno Santana (trompete), Xavi Sousa (trombone), Mané Fernandes (guitarra eléctrica), José Diogo Martins (piano) e Filipe Louro (contrabaixo) ouvimos os nobres ascendentes de George Russell, Charles Mingus, Eric Dolphy, Gunther Schuller, Andrew Hill, Lennie Tristano, Jimmy Giuffre, Julius Hemphill. Trata-se de um jazz pensador, intelectual, aberto a contribuições tanto da música erudita quanto da popular. Este é um jazz que se interroga, que problematiza, que recusa ser normativo, que explora. E que, sim, tem deliciosas relações com essa obra-prima da composição jazz que é “Unreal: Sidewalk Cartoon” de Bernardo Sassetti.