Memória de Peixe: “Himiko Cloud” (CTL – Musicbox)
A música tocada pelo duo Memória de Peixe continua a soar como algo que está na intersecção dos universos do pós-rock, do rock progressivo e do jazz-rock, mas neste novo álbum com “cover art” de Carlos Gaspar e vinil amarelo o guitarrista Miguel Nicolau e o baterista Marco Franco acentuam a vertente electrónica do projecto e apresentam uma música com mais saturação sonora, mais preenchimento, do que lhes era habitual. Ambos têm trajectos na música livremente improvisada e no jazz, mas os temas abraçam o formato da canção (sem voz) e isso parece distanciá-los da improvisação sem ou com cifras. Ainda assim, reencontramos aqui alguma coisa do que Franco fazia com essa curiosa proposta surgida no circuito jazzístico por parte dos Mikado Lab – designadamente, uma confecção que lembra as vertentes lounge e pop daquele grupo.
Os alicerces continuam a ser os mesmos de sempre: Nicolau vai sobrepondo camadas de “loops” com a guitarra e os pedais, criando a ilusão de que são vários os instrumentos, mas faz justiça ao nome da dupla – os ditos “loops” são muito breves, de memória curta, fazendo com que os desenvolvimentos musicais aconteçam sem grande lastro –, enquanto Franco conduz um determinado padrão rítmico a todas as suas implicações, as directas como também as indirectas. Há uma alusão às bandas-sonoras dos videojogos: recorre-se à repetição de motivos, mas com uma perspectiva de contínua progressão. O interessante a reter em mais este caso é o quanto o jazz vai influindo no rock, hoje como nas tendências passadas em que este género musical se pretendeu renovado e enriquecido, procurando novas perspectivas e outro tipo de conteúdos. Fala-se muito da contaminação do jazz por outras músicas, mas não na disseminação do jazz pela generalidade das músicas urbanas, que é bem capaz de ser ainda mais relevante.