Abaetetuba: “Peabiru” (Abaetetuba)
Formado pelo percussionista António “Panda” Gianfratti com Thomas Rohrer (rabeca, saxofone soprano), Rodrigo Montoya (guitarra eléctrica e vários cordofones étnicos) e, mais recentemente, Luiz Gubeissi (contrabaixo), o colectivo Abaetetuba é um dos mais sólidos e permanentes surgidos na pequena, mas rica e dinâmica, cena de S. Paulo da música improvisada. Com um trajecto em que teve já como convidados músicos como John Edwards, Phil Minton, Han Bennink, John Russell, Urs Leimgruber, Steve Noble , Marcio Mattos e Hans Koch, entre outros, e vários álbuns de edição própria, eis que acaba de ser publicado este “Peabiru”. Ao nome da cidade que identifica o grupo (Abaetetuba, situada no Pará, é a expressão para «encontro de gente boa» na língua Tupi-Guarani), junta-se como título o de um outro município brasileiro, este do Paraná, designado por Peabiru, a palavra dos guaranis para «caminho».
Digamos que a música que “acontece” (o melhor termo para referir oque é totalmente improvisado) mede a distância entre Abaetetuba e Peabiru, rondando esta os 2500 quilómetros. Tal imensa geolocalização faz todo o sentido quando se ouve o disco, porque sendo a livre-improvisação, por natureza, uma prática universalista, o certo é que vão transparecendo ao longo dos temas uns quantos, ainda que intencionalmente vagos, factores identificatórios de uma certa brasileiridade. Muito em especial, a brasileiridade de antes de haver a colónia portuguesa chamada Brasil e do país com plena soberania que se sucedeu na história: as referências são indígenas, tribais, umas recebidas da tradição, outras inventadas a partir desta. Tocada numa das maiores metrópoles do mundo (vivem mais de 11 milhões de pessoas em S. Paulo) neste início do século XXI, esta música é uma re-imaginação dos sons humanos, celebrativos, rituais, que habitavam, e habitam ainda alguns locais perdidos, a ancestral floresta brasileira. É como que uma pré-música. É a música de um tempo de antes da escrita e da homogeneização dos conceitos musicais segundo os padrões europeus. E que magnífica nos soa, parecendo reconciliar-nos com algo que temos de muito profundo em nós…