Signs of the Silhouette: “Nu” (Bambalam)
Quando os Signs of the Silhouette se fizeram acompanhar ao vivo por Hernâni Faustino e Helena Espvall no contrabaixo e no violoncelo respectivamente, soaram como se os Godspeed You! Black Emperor tivessem convertido o seu psicadelismo de dimensão orquestral às coordenadas da improvisação. E quando o primeiro, como único “convidado especial”, colaborou com Jorge Nuno (guitarra), João Paulo (bateria) e Miguel Opes (projecções) trocando o mais grave instrumento da família do violino por um baixo eléctrico, o grupo colou à sua identidade “kosmische” uma profundidade e uma espessura mais caracteristicamente jazzísticos. O novo “Nu”, que tem data de publicação hoje mesmo (10 de Junho), é ambas as coisas e outra totalmente diferente, dando o melhor uso às contribuições adicionadas, ambas vindas de membros do Red Trio: o repetente Faustino e, muito especialmente, o pianista Rodrigo Pinheiro. A música transfigura-se, resultando em algo que dificilmente poderíamos ter imaginado. Free rock? Jazz psicadélico?
O que surpreende no meio disto é a banda de Lisboa conseguir manter o que lhe é essencial e até levar esse ADN a desenvolvimentos que mais o enriquecem. Este é o melhor álbum dos Signs of the SIlhouette até à data, momentos havendo nos quatro temas, e sobretudo no primeiro (“Tent”) e no terceiro (“Throw”), que chegam a um delicioso estado de êxtase. O disco inspira-se no romance do mesmo título de uma figura maior da ficção científica, Frank Herbert, e como este procura funcionar como uma viagem para o “começo”. Pois é isso mesmo: este trabalho representa como que um renascimento e o início de um daqueles caminhos que só se abrem aos pés caminhando. O que entusiasma é este caminho ser uma subida na ladeira, em direcção a um nível superior de existência feito de pura energia. A confirmação ao vivo acontece logo à noite, na SMUP.
Post scriptum (11/06/12)
No concerto de apresentação de “Nu”, nova transfiguração. E em grande parte novamente induzida pelo convidado Rodrigo Pinheiro. O facto de este ter utilizado um Fender Rhodes (com uma série de pedais de efeitos de guitarra em cima do instrumento, de resto substancialmente “abusados” pelo músico) influiu no desenrolar das improvisações. Ainda que sempre com envolvimentos “psych”, o piano eléctrico remeteu-nos umas quantas vezes para o que faziam Keith Jarrett e Chick Corea no grupo de Miles Davis do período “Bitches Brew”. Com a distinção de que a música resultante reproduziu mais as coordenadas do rock progressivo, via Soft Machine, do que as do jazz-rock de além-Atlântico. E isso apesar das malhas “jazzy” atiradas para a mistura pelo baixo eléctrico de Hernâni Faustino. Nada soou datado, no entanto – se havia um elemento retro evidente (o próprio psicadelismo da guitarra de Jorge Nuno é uma recuperação, se bem que levada a desfechos não realizados nas décadas de 1960 e 70), este foi tratado com uma perspectiva contemporânea. Inovadora até, dadas as pouquíssimo vulgares combinações que ouvimos. Na tela corriam imagens líquidas, havia fumo no ar e pairava um aroma a incenso de chocolate. Foi como que um “Nu 2”, muito diferente do disco, cumprindo a máxima dos Signs of the SIlhouette de que nada se deve repetir.