Alforjs: “Jengi” (Silent Water)
A presente cena musical de Lisboa muito deve à actividade da Associação Terapêutica do Ruído e este disco é o mais recente produto do seu borbulhante caldeirão criativo. Assim como é uma directa consequência do “workshop” que Carla Bozulich conduziu na edição de 2014 do Out.Fest, frequentado pelos três músicos destes Alforjs. A uma primeira audição de “Jengi” ficamos com a sensação de que a música cruza os mundos sonoros dos grupos dUASsEMIcOLCHEIASiNVERTIDAS e Zarabatana, integrados pelo contrabaixista aqui em acção, Bernardo Álvares, com o “punk futurista” do primeiro e muito do ritualismo neoprimitivista do segundo a fazerem-se sentir. Há, no entanto, algo mais e que se torna determinante para a identidade do projecto: a dimensão psicadélica que o baterista Raphael Soares (também um ocasional colaborador dos sEMICOLCHEIAS) trouxe consigo dos saudosos Sunflare. O terceiro elemento é Mestre André, figura dos circuitos EAI que aqui também surge a tocar saxofone alto.
A música dos dois longos temas (o primeiro dividido em quatro partes) deste LP, cada um num dos lados do vinil, é acentuadamente tribalista e envolve uma parafernália de instrumentos de percussão partilhados por todo o trio. Daí, até, o título: Jengi é o deus da floresta dos pigmeus do centro de África, transferido para a selva urbana. Combinada com a omnipresente electrónica e com os “riffs” de contrabaixo ou de baixo eléctrico, essa massa percussiva resulta num “voodoo noise” (o rótulo é dos próprios) que só não se assemelha ao dos HHY & The Macumbas de Jonathan Uliel Saldanha porque o lugar da composição nestes é ocupado por uma abordagem free improv e de “jamming” à desfilada, além de que o índice de teatralização é bem menor. O que ouvimos é uma combinação nada óbvia e nada previsível de jazz, rock, experimentalismo electroacústico e música africana, tão misturada e tão indissociável que parece forjar um novo estilo. Como diz o Sheldon, «bazinga»!