Três grandes discos

Jorrit Dijkstra

Três grandes discos

Driff Records

texto Rui Eduardo Paes

O saxofonista de Amesterdão que tem um vínculo especial com a cena de Boston – aí fundou, com Pandelis Karayorgis, a Driff Records – despediu-se de 2015, o mesmo ano em que andou por Portugal, com três boas edições. Um deles, “Matchbox”, revela mesmo a sua superior capacidade de tocar a tradição do jazz.

Um dos momentos altos de 2015 foi a passagem do saxofonista Jorrit Dijkstra para participações e “workshops” no festival Jazz ao Centro, em Coimbra, nesse já incontornável espaço que é o lisboeta Desterro e no Festival Granular. Ouvimo-lo a solo, com o seu sax alto (e, por vezes, o lyricon, instrumento de sopro electrónico “vintage” cujas capacidades tem explorado) ligado a um sintetizador modular de onde saía uma miríade de cabos amarelos, laranjas e vermelhos, e também em colaboração com músicos nacionais, designadamente Paulo Chagas, Fernando Simões, João Madeira e Nuno Morão. Se a sua presença nos nossos palcos se fez notar, também no campo da edição discográfica o músico originário da Holanda marcou posição com três importantes lançamentos, editados pelo selo que fundou em Boston com o pianista Pandelis Karayorgis, Driff Records.

“Never Odd or Even”, em solo absoluto, é o registo que mais se aproxima daquilo que ouvimos nos Encontros de Coimbra. Seja por contexto – a Driff tem o pós-bop como matriz, que não propriamente a livre-improvisação de carácter exploratório – ou porque Dijkstra buscou inspiração no seminal álbum “Blue Boyé”, de Julius Hemphill, o disco soa bem menos experimental do que o concerto realizado na intimista Casa da Esquina. Ou seja, há um elemento condutor que, como nesse título do malogrado saxofonista norte-americano, passou pelo “overdubbing” enquanto técnica de composição – em Portugal, os processos sustentaram-se na sobreposição de “loops” e no uso e abuso do “delay”. Talvez por isso, a própria lógica de fraseio é mais assumidamente jazzística, com uma óbvia diminuição dos níveis de extravagância expressiva que por cá testemunhámos. O certo é que, apesar da massiva presença de electrónica, Jorrit Dijkstra assina um álbum de grande sobriedade que homenageia Hemphill da melhor maneira.

Com a Bathysphere, formação de 15 elementos que reúne notáveis como Tony Malaby, Jeb Bishop, Taylor Ho Bynum e Nate McBride, os dois compositores de serviço e co-mentores do projecto, Dijkstra e Karayorgis, procuram uma situação de compromisso que se torna esteticamente curiosa. A “big band” sustenta-se nas linguagens históricas do formato no jazz, remontando mesmo em termos de organização e sonoridade para o seu período áureo, o do swing (sim, há por aqui muito Ellington e Henderson), e a partir daí vai-se metamorfoseando segundo as coordenadas do bop e do free, com irrupções de dispositivos analógicos (o próprio Dijkstra e Andrew Neumann) a furarem a massa sonora. O interessante é verificar como uma fórmula sustentada nos graves (são 10 os sopros, com os dois trombones, a tuba e o saxofone barítono, suportados pelos dois contrabaixos, a puxarem os acontecimentos para baixo) vai ganhando uma inesperada desenvoltura. É essa, aliás, a essência do projecto: Bathysphere é o nome do submersível que os cientistas William Beebe e Otis Barton utilizaram em 1939 para pela primeira vez se estudar as profundezas do oceano.

A pérola deste conjunto de discos é outra parceria de Jorrit Dijkstra e Pandelis Karayorgis, num quarteto bostoniano com Nate McBride e Curt Newton – os mesmos que estão com o pianista nos mi3 e que integram o Joe Morris Trio e os Tripleplay de Ken Vandermark. Diferente é, no entanto, a música praticada, surgindo até com uma curiosa “patine” hard bop. A escrita pode ser algo cubista, mas poucas vezes terá o saxofonista de Amesterdão mergulhado tanto na linguagem específica do jazz, e com tão boas consequências. Eis um grande músico de vanguarda que é capaz de brilhar, também, na tradição.

  • Never Odd or Even

    Never Odd or Even (Driff Records)

    Jorrit Dijkstra

    Jorrit Dijkstra (saxofone alto, lyricon, sintetizador modular, pedais de efeitos)

  • Bathysphere

    Bathysphere (Driff Records)

    Bathysphere

    Jorrit Dijkstra (saxofone alto, lyricon, sintetizador modular); Tony Malaby (saxofones soprano e tenor); Seth Meicht (saxofones alto e tenor); Charlie Kohlhase (saxofones tenor e barítono); Taylor Ho Bynum (corneta); Forbes Graham, Daniel Rosenthal (trompetes); Jeb Bishop, Jeff Galindo (trombones); Josiah Reibstein (tuba); Pandelis Karayorgis (piano); Andrew Neumann (electrónica); Nate McBride, Jef Charland (contrabaixos); Luther Gray (bateria).

  • Matchbox

    Matchbox (Driff Records)

    Jorrit Dijkstra / Pandelis Karayorgis / Nate McBride / Curt Newton

    Jorrit Dijkstra (saxofone alto, lyricon, sintetizador modular); Pandelis Karayorgis (piano); Nate McBride (contrabaixo); Curt Newton (bateria).

Agenda

01 Junho

André Santos e Alexandre Frazão

Café Dias - Lisboa

01 Junho

Beatriz Nunes, André Silva e André Rosinha

Brown’s Avenue Hotel - Lisboa

01 Junho

Ernesto Rodrigues, José Lencastre, Jonathan Aardestrup e João Sousa

Cossoul - Lisboa

01 Junho

Tracapangã

Miradouro de Baixo - Carpintarias de São Lázaro - Lisboa

01 Junho

Jam session

Sala 6 - Barreiro

01 Junho

Jam Session com Manuel Oliveira, Alexandre Frazão, Rodrigo Correia e Luís Cunha

Fábrica Braço de Prata - Lisboa

01 Junho

Mano a Mano

Távola Bar - Lisboa

02 Junho

Rafael Alves Quartet

Nisa’s Lounge - Algés

02 Junho

João Mortágua Axes

Teatro Municipal da Covilhã - Covilhã

02 Junho

Júlio Resende

Fábrica Braço de Prata - Lisboa

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