Basso3: “Meia Catorze” (Pássaro Vago)
Pássaro Vago
Três contrabaixos. Poucas vezes se tem ouvido uma formação com estas características, e mesmo na área da improvisação o mais normal é juntar apenas dois exemplares do mais grave instrumento da família do violino para a criação de um diálogo intimista. Logo nesse aspecto qualquer amante da música fica, à partida, curioso. O que vem neste “Meia Catorze” não defrauda as melhores expectativas – ficamos apenas frustrados por não se indicar na ficha técnica quem ocupa que posição na estereofonia. Quem esteve no concerto aqui registado do MEIA 2014, festival de Aveiro dedicado às músicas experimental e improvisada, esse sabe e está em vantagem.
Mas está também quem já conhece os estilos pessoais e os percursos dos três músicos reunidos no Basso3, designadamente Alvaro Rosso, José Miguel Pereira e Miguel Falcão. O primeiro, uruguaio radicado há alguns anos em Portugal, tem actividade paralela na música clássica e o trabalho que desenvolve com o arco denota bem essa influência. Uma influência, no entanto, que é partilhada pelos restantes músicos, surgindo naturalmente da identidade deste cordofone e dos seus usos seculares, bem como do formato camerístico escolhido.
No que a identidade respeita, esta deriva também, aqui e ali, para o jazz: Rosso e Pereira têm tido sobeja actividade no género, indo de contextos “mainstream” às suas margens mais criativas. Do lado de Falcão, denota-se o seu gosto pela polifonia búlgara, que vem estudando com os mestres desse país. Todos os três, de qualquer modo, são figuras exponenciais da música livremente improvisada em Portugal, e Alvaro Rosso tem-se distinguido muito especialmente neste circuito.
Como não podia deixar de ser, a interacção entre os três contrabaixistas tem um pendor exploratório, e tanto das possibilidades físicas dos seus instrumentos como dos materiais utilizados, tanto no “fazer” (com incorporação de técnicas extensivas) como no “moldar” o som em bruto, tornando-o em música. Se de um lado surge o factor de jogo que vamos presenciando, mediante a construção de texturas abstractas, do outro consequenciam-se momentos de beleza melódica e harmónica que mais parecem compostos, bem como galvanizantes situações rítmicas.
Ou seja, o que vem neste disco não exclui nenhuns parâmetros, ora é tonal, ora escolhe a atonalidade, ora segue métricas e fraseios, ora os dispensa, ora é idiomática, ora avança para territórios tipologicamente neutros. O que aqui está é uma música sem tabus, completa e muitíssimo bem tocada. Venha mais.
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Meia Catorze (Pássaro Vago)
Basso3
Alvaro Rosso, José Miguel Pereira, Miguel Falcão (contrabaixos)