Over the Hills

imuZZic Grand(s)ensemble: “Over the Hills” (IMR)

IMR

Rui Eduardo Paes

Pelos lados do jazz francês, e de há uns anos a esta parte, está a tornar-se habitual a repescagem de obras do passado em várias áreas da música para delas se criarem novas versões. Por exemplo, Médéric Collignon fê-lo com o espólio setentista do grupo de rock progressivo King Crimson, depois de ter prestado homenagem ao “Kind of Blue” de Miles Davis, e o I.Overdrive Trio vem apresentando as suas “covers” de temas de Syd Barrett escritos para os seus discos a solo ou para os Pink Floyd e, mais recentemente, de Leo Ferré, no caso em colaboração com o cantor Marcel Kanche. Uma nova incursão deste tipo está a ser feita pelo imuZZic Grand(s)ensemble e aqui está o CD que se segue aos concertos dados em vários festivais durante o Verão – “Over the Hills” é uma releitura da obra-prima de Carla Bley e Paul Haines com a Jazz Composers Orchestra, “Escalator Over the Hill”, surgida no início da década de 1970.

Curiosamente, ou nem tanto assim, um dos orientadores do projecto, Bruno Tocanne (os outros são Bernard Santacruz e Alain Blesing) é membro do I.Overdrive Trio, e um dos trompetistas que integram este noneto não é outro senão o desse grupo, Rémi Gaudillat. Transpor aquela “ópera jazz” (com inseminações do rock, do country, das músicas do mundo, da electroacústica e das fanfarras de rua) com tantas contribuições instrumentais e tantos cantores como convidados para um ensemble de nove elementos foi uma das dificuldades do empreendimento. Sobretudo na parte vocal: é agora só uma a voz, a do suíço Antoine Lang, que se desdobra em papéis, colocações da glote e efeitos electrónicos. Outro obstáculo a vencer foi o atrevimento de tentar algo de válido quando não estão envolvidas figuras históricas como Don Cherry, Gato Barbieri, John McLaughlin, Jack Bruce, Linda Ronstadt, Leroy Jenkins e outros do mesmo nível.

O certo é que o projecto tem argumentos bastante válidos e que justificam uma audição atenta. Embora respeitando as partituras originais (Bley deu o seu aval à ideia e esteve presente na estreia ao vivo, tendo delegado em Steve Swallow todo o apoio aos franceses) bem mais do que seria previsível, o certo é que a música aqui contida acrescenta algo ao que foi feito. O quê? Uma perspectiva contemporânea, de avaliação como determinadas fórmulas sobrevivem ou se transformam com o tempo, e também europeia, pressentível num certo distanciamento cultural e, em consequência, numa maior liberdade interpretativa. Nas passagens mais abstractas detecta-se, aliás, mais a influência da música improvisada da Europa do que do free jazz norte-americano.

Depressa se percebe, também, que “Over the Hills” não teve apenas o adaptado triplo álbum como ponto de partida. A própria Carla Bley fez uma revisão de “Escalator Over the Hill” em finais dos anos 1990, para apresentações no Velho Continente, e também esses registos serviram de orientação ao imuZZic. Dois dos vocalistas dessa segunda vida foram Phil Minton e David Moss e o que logo se repara nas intervenções de Lang é o quanto ele deve a ambos. Designadamente na forma como passa de um registo formal de canto, tonal e melódico, a outro de cariz fonético, visceral, quase dadaísta, e depois volta. O que nem sequer parece ser estratégico: o estilo do único não-francês do colectivo é claramente mintoniano e, nesse aspecto, até uma surpresa de tão “british”.

Fora Lang, que tem um natural protagonismo, não há especiais enfoques solísticos. A “big band” funciona como um todo, apostando ora na massa sonora ora na ampliação tímbrica dos materiais, mas há instrumentistas que se vão destacando. A pianista Perrine Mansuy, que assina preciosas transições em primeiro plano, o guitarrista Alain Blesing, que está por todo o lado, furando, e o clarinetista Olivier Thémines, que tempera os sopros com o seu espesso som de madeira, são os mais notáveis.

Poderíamos perguntar: fazia falta, esta edição? Provavelmente não, à semelhança de todos e quaisquer “remakes” que têm sido realizados, e o mais não seja porque é impossível repetir as vagas de fundo suscitadas pelas obras a que prestam tributo, mas o certo é que essa criação magistral que foi “Escalator Over the Hill” caíra no olvido e era urgente mostrar as portas que abriu. Está feito, e muito bem feito.

  • Over the Hills

    Over the Hills (IMR)

    imuZZic Grand(s)ensemble

    Jean Aussanaire (saxofones soprano e tenor); Olivier Thémines (clarinetes soprano e baixo); Rémi Gaudillat, Fred Roudet (trompetes, fliscórnios); Antoine Lang (voz, electrónica); Alain Blesing (guitarra eléctrica, electrónica); Perrine Mansuy (piano); Bernard Santacruz (contrabaixo, baixo eléctrico); Bruno Tocanne (bateria)

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