The Recedents: “Wishing You Were Here” (Freeform Association)
Freeform Association
Não tivesse acontecido a morte de Lol Coxhill em 2012 e, provavelmente, não teria surgido o impulso para a edição desta caixa com cinco discos e para a formação de uma nova etiqueta voltada para a música improvisada, a polaca Freeform Association. O saxofonista britânico teria, decerto, achado graça à situação, ele que era conhecido por ter um humor mordaz e algo negro.
Seja um tributo a Coxhill (o título diz que sim: “Wishing You Were Here”) ou não, o certo é que fazia falta uma edição assim. O trio The Recedents tinha há muito estatuto de lenda, e isso não devido à sua longevidade – teve início em 1982 – e muito menos à discografia que deixou, pois publicou apenas dois discos até ao ano em que foi dado como extinto, 2010, “Barbecue Strut” em 1987 e “Zombie Bloodbath – The Isle of Dogs” em 1991.
O mito The Recedents parece ter outra explicação: se muitos falavam deles, poucos os ouviram, até pelo facto de nos 28 anos da sua existência terem passado intervalos às vezes de anos entre cada concerto. Ou seja, se o impacto da música electroacústica improvisada que praticavam foi tremendo junto dos outros músicos e dos seus apreciadores, poucos contratos para “gigs” conseguiam e estes eram invariavelmente mal pagos. Dentro do nicho “improv”, estes Recedents constituíam um outro nicho.
E no entanto os três elementos do grupo tinham nome, reconhecível por diferentes fragmentos de público. Lol Coxhill aparecia em todo o lado, desde o jazz “mainstream” (com Stan Tracey) até ao punk (andou em digressão com The Damned). Tocou com o cantor soul Rufus Thomas e com os músicos de blues Alexis Korner e Champion Jack Dupree, passou pelo rock progressivo com Kevin Ayers e Steve Miller e colaborou com bandas de ska como os Jazz Jamaica. Como se não bastasse, foi conquistando fama como um dos grandes revolucionários do saxofone soprano, ao nível de Steve Lacy e Evan Parker.
Mike Cooper fora um dos protagonistas da emergência dos blues britânicos e sobretudo do cruzamento desse género musical com a folk. Podia ter-se tornado em mais um Eric Clapton, mas foi outro o rumo que escolheu. Ampliou os seus interesses para os dois extremos do espectro: enamorou-se pela guitarra havaiana e pelas tradições do Pacífico ao mesmo tempo em que mergulhou na electrónica exploratória, criando híbridos de muito atraente excentricidade, com cariz tanto “artístico” quanto “popular”.
À época da formação dos Recedents, o baterista Roger Turner estava já a deixar um rasto considerável nos meios do free jazz e da livre-improvisação, mas também o tinha nos do rock e da pop, graças à sua colaboração com a cantora Annette Peacock numa altura em que com ela também tocava o guitarrista dos Spiders From Mars de David Bowie, Mick Ronson. Não é por acaso que a banda Konk Pack, formada por Turner com Thomas Lehn e um ex-Henry Cow (na década de 1970, estes eram como que os Mothers of Invention europeus), Tim Hodgkinson, parece um “reload” dos Recedents.
Pois foi em casa de Turner, debaixo do sofá, que os polacos da Freeform Association encontraram as gravações que integram “Wishing You Were Here”, todas captadas em concerto. As do CD1 datam de 1995, em actuações na Bélgica (“The Egg”, “The Shell”, “The Crack”, “Let Me Introduce Myself”) e em Itália (“The Light”, “The Dark”). No CD2 está “Steping Inside Your Aeroplane”, de uma apresentação em Hamburgo, na Alemanha, em 2000. No CD3 encontramos o registo da actuação do grupo em 2002 nos Instants Chavirés, em França, com o título “Instances with You”. “Shut Up Your Silence”, no CD4, contém uma performance londrina de 2003. Por fim, “Wishing” surge no CD5, com referência ao ano de 2008 e a Bristol. Havia material mais antigo, mas a sua recuperação revelou-se impossível.
Ainda que apenas fique documentada a fase final do projecto, esta caixa não só revela mains aprofundadamente o que eram os Recedents como nos permite observar as diferentes abordagens que foram tomando e até alguma da sua evolução. Em 1995 a electrónica estava muito presente e a forma como conduz os processos torna a música algo esquizóide. No ano 2008 já são os instrumentos acústicos que predominam, ouvindo-se os dispositivos analógicos somente em pequenos detalhes.
Nos idos de 2000 a música era particularmente textural e abstracta, e pelo que ouvimos de 2003 assim parece ter-se mantido algum tempo. Mas se contrasta com o que encontramos do ano mais recente desta selecção, por exemplo Mike Cooper a tocar blues, não devemos concluir que houve um retrocesso nas concepções do trio. A verdade é que os Recedents sempre se distinguiram da cena da música improvisada por não terem excluído factores idiomáticos como o ritmo e a melodia. Ouvir Coxhill a tocar algo que lembra o swing das velhas orquestras do jazz ou Turner a disparar uma pulsação de hip-hop na drum machine é tão próprio deles quanto fazer raspagens numa superfície durante 15 minutos.
O que quer dizer que, com The Recedents, a improvisação era efectivamente livre, pois não excluía nada, absolutamente nada, sem tabus nem proibicionismos. Pena que mais improvisadores não tenham seguido as suas pisadas…
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Wishing You Were Here (Freeform Association)
The Recedents
Lol Coxhill (saxofone soprano, electrónica); Mike Cooper (guitarras, electrónica); Roger Turner (bateria, percussão, electrónica)