Otis Trio: “74 Club” (Far Out Recordings)
Far Out Recordings
Formado em 2007 na periferia industrial de São Paulo, o Otis Trio chega somente agora a seu primeiro disco oficial. Se a espera pela estreia do grupo brasileiro foi longa, ao menos teve como efeito positivo dar tempo para que os músicos desenvolvessem uma linguagem própria e um repertório maduro, refletindo a variedade de elementos jazzísticos absorvidos pelos instrumentistas. “74 Club”, editado pelo selo britânico Far Out Recordings, apresenta o trio – Luiz Galvão (guitarra), João Ciriaco (baixo) e Flávio Lazzarin (bateria) – acompanhado de convidados, que se revezam faixa a faixa, gerando intensidade diversa a cada tema.
Não se trata aqui propriamente de free jazz, como o álbum chega a ser rotulado no texto de contracapa. A liberdade dos solos presentes nas nove composições originais de “74 Club” surge em meio a temas bem estruturados, que oscilam do trio puro que executa “Seisquatro” ao septeto responsável por “DNN”, mostrando a amplitude imaginativa que arquiteta as criações do grupo.
“Montag’s Dream” – provavelmente a mais bela criação da banda – abre o álbum com uma cativante letargia, conduzida pelo sutil toque do vibrafone de Beto Montag, com baixo e guitarra demarcando o tema em intensidade crescente, arrastando sem amarras os ouvidos a um entorpecimento irresistível. O sax tenor de André Calixto, músico de sopro free capaz de grande intensidade, surge como contraponto ao lirismo da peça.
Do repertório que os músicos tocam há anos nos palcos de clubes e festivais brasileiros, vêm as contagiantes “Sophisticated Junkie” e “Tempestade”. Em versão septeto, com adição de saxes, trompete e vibrafone, “Sophisticated Junkie” tem como marca característica a bateria quebradiça de Lazzarin, acompanhada pelo encantatório dedilhado circular de Ciriaco.
Já “Tempestade” seduz pelo swingante tema conduzido pelo baixo – é daqueles que ficam reverberando na mente tempos depois de o termos deixado de ouvir. Mesmo que não traga nenhum solo seu, o tema coloca o guitarrista Galvão em uma posição chave, com seus pequenos fragmentos basilares, ora ruidosos, ora fragilmente melódicos, sustentando a estrutura da peça.
O pulso de Lazzarin, já bem demandado em “Tempestade”, pode ser sentido de forma ainda mais viva em “Otis Natu”. Guiada pela vibração rítmica da bateria, é uma composição marcada por “riffs” diretos e impregnantes, feitos para serem assobiados sem nos darmos conta.
Outro destaque é a potente “DNN”, que inicia com um duelo feroz de sopros, com sax, trompete e trombone criando uma manta cacofônica embalada pela forte ritmicidade imprimida por baixo e bateria. Mesmo nas peças mais descontraídas, como “Funny Groove” e “Seisquatro”, o Otis Trio mostra o quanto a unidade de grupo é fundamental para o resultado final do projeto: nenhum músico está ali para brilhar mais que os outros, sendo sempre o trabalho conjunto o ponto central do som que fazem.
“74 Club” é uma estreia realizada com êxito e que tem tudo para facilitar o caminho do Otis Trio no processo de levar sua música para além das fronteiras brasileiras.
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74 Club (Far Out Recordings)
Otis Trio
Luiz Galvão (guitarra); João Ciriaco (baixo); Flavio Lazzarin (bateria) + Beto Montag (vibrafone); André Calixto (saxofones tenor e soprano, flautas); Amilcar Rodrigus (trompete, fliscórnio); Richard Fermino (trombone, clarinete baixo); José Luiz Braz (clarinete); Marcelo Monteiro (saxofone barítono); Nailor Proveta (clarinete baixo)