André Santos: “Ponto de Partida” (TOAP / OJM)
TOAP / OJM
Na última década e meia o país jazzístico tem sido incomparavelmente mais fértil a gerar guitarristas do que qualquer outro tipo de instrumentistas. Apenas considerando os domínios do jazz, temos virtualmente guitarristas a cobrir todos os seus recantos estéticos. Em particular, a lista de músicos que prosseguem vias mais ligadas à continuação da tradição do género – nas suas diferentes cambiantes – é particularmente extensa e continua a conhecer frequentes aditamentos.
A quantidade e a qualidade dos discos de formações lideradas por guitarristas são assinaláveis. E outro acaba de chegar: a estreia de André Santos, jovem músico de sólida formação e já uma intensa rodagem. Nascido no Funchal, começou por imitar o irmão mais velho (Bruno Santos, um dos mais reputados guitarristas nacionais de jazz), tendo depois ingressado no curso de Jazz do Conservatório da Madeira, leccionado por professores do Hot Clube de Portugal. A ilha tornara-se entretanto pequena e André veio para o continente estudar na Escola de Jazz Luiz Villas-Boas. Dois anos mais tarde iniciou a licenciatura em Jazz na Escola Superior de Música de Lisboa, tendo depois da sua conclusão voltado ao Hot como docente.
Prestes a sair na TOAP/OJM, “Ponto de Partida” dá a conhecer as suas aptidões sobretudo enquanto compositor do seu próprio material, já que, quanto à sua valia técnica e segurança como instrumentista, estávamos conversados. Apesar dos inevitáveis pontos de contacto, sublinhe-se que o seu guitarrismo é hoje diferente do praticado pelo seu irmão, o que é interessante notar no dueto “mano a mano” que se tem apresentado ao vivo.
No auto-explicativo “Ponto de Partida”, André faz-se acompanhar por um conjunto de valores emergentes do jazz nacional, que bem conhece. Ricardo Toscano é o saxofonista alto de quem se fala, soprando com tal maturidade que desconfiamos do que consta no seu Cartão de Cidadão. No contrabaixo está João Hasselberg, músico que acaba de lançar em nome próprio um excelente primeiro disco. O baterista João Pereira revela competência ao longo de toda a gravação. Como convidados surgem o saxofonista (tenor) Gianni Gagliardi e as cantoras Joana Espadinha e Margarida Campelo. Com estes músicos partilha o gosto por uma certa forma de abordar o idioma jazzístico, revisitando a tradição mas procurando fazer ouvir a sua voz própria, através de uma escrita que se revela aberta às múltiplas influências que desaguam nas suas composições.
O disco abre com o perfume folk de “Zion” que, apesar do título, se continua a sentir na atmosfera soalheira de “Reverso da Medalha”, com os acordes cristalinos e o dedilhar claro da guitarra acústica. “Siso” surge contaminada pelo vigor do rock, com a eletricidade da guitarra a ser bem suportada pela bateria seca, teia de onde emana um imponente solo de Ricardo Toscano. O fumarento título tema desvenda boas prestações de Hasselberg e Pereira e em “Avô João” o saxofone tenor de Gagliardi desenha uma opípara linha melódica.
“Qwerty” assenta nos uníssonos entre a guitarra e o saxofone alto que servem de mote para uma intervenção de Santos, reveladora de um parcimonioso uso de “delay”. Em crescendo, tudo evolui para uma secção final irresistivelmente “groovy”. A tranquilidade regressa com “Viagem de Olhos Vendados” e em “Mutantes” a guitarra amena é a companhia ideal para as vozes de Joana Espadinha (que assina a letra) e Margarida Campelo. A função encerra num pico de intensidade com “Presságio”, introduzida por Hasselberg e com um solo incandescente de Toscano.
Uma estreia conseguida, que augura outros voos.
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Ponto de Partida (TOAP / OJM)
André Santos
André Santos (guitarras); João Hasselberg (contrabaixo); João Pereira (bateria); Ricardo Toscano (saxofone alto) + Gianni Gagliardi (saxofone tenor); Joana Espadinha, Margarida Campelo (voz)