Erika Dagnino Quartet: “Signs” (SLAM)
SLAM
A palavra – não necessariamente cantada – está presente na história do jazz desde os seus alvores. Ou, porventura mesmo, até antes de se poder falar em jazz, quando os contadores de histórias afro-americanos combinavam a palavra dita com ritmos diversos e variações de entoação vocal imitando sons de animais e ruídos de comboios e outras máquinas.
Sustenta LeRoi Jones/ Amiri Baraka que os blues, antes de serem um género musical, são uma forma de poesia. Também a utilização do “scat”, abordagem vocal tão típica do jazz, não é mais do que uma manipulação das palavras transformando-as em onomatopeias com intenso travo rítmico.
Aliás, o próprio conceito de “palavra” é multidimensional: nele coexistem significado, som, ritmo e timbre. A palavra tem sido, pois, ingrediente fundamental no jazz, predominantemente cantada, mas também declamada. Neste contexto particular, ganham relevância artística os desenvolvimentos que essa relação tem conhecido na cena nova-iorquina, com Amiri Baraka e um conjunto de importantes “diseurs”, avultando o nome de Steve Dalachinsky. O panorama europeu parece, contudo, alheio a este tipo de simbiose música-palavra.
Uma das exceções é a escritora, poeta e artista “intermédia” italiana Erika Dagnino, que no entanto é mais conhecida nos Estados Unidos – em especial na fervilhante cena da Big Apple – do que do lado de cá do Atlântico, onde encontrou relativamente pouco espaço.
Dagnino tem um currículo recheado de contribuições para publicações literárias e musicais, sendo de destacar a nova-iorquina First Literary Review-East, a francesa Levure Littéraire e as italianas Quaderni d'Altri Tempi e SuonoSonda. No plano musical são de destacar as colaborações com o quarteto italiano de Anthony Braxton, para quem escreveu as notas de capa de “Standards” (2006), o violinista italiano Stefano Pastor, o saxofonista britânico George Haslam, o pianista e compositor norte-americano Chris Brown e o percussionista japonês Satoshi Takeishi (que integra o seu trio, juntamente com o contrabaixista Ken Filiano), entre outros. Em Nova Iorque integra ainda a Dissident Arts Orchestra e a Radical Arts Front.
Dagnino desenvolve uma abordagem muito própria, utilizando a voz e as palavras como um instrumento que interage em igualdade de circunstâncias com os outros. Acompanham-na o saxofonista Ras Moshe, o já mencionado Filiano (bem conhecido dos melómanos portugueses, sobretudo por via das suas várias gravações para a Clean Feed) e o percussionista John Pietaro.
Apesar dos seus versos estarem escritos (em italiano e em inglês), incorporam-se particularmente bem num contexto de improvisação, com os discursos musicais a contribuírem para acentuar a intensidade das palavras, tantas vezes de uma solidão crua e torturada («Saliva, eye, larva / Upward footprint of clouds. / Downward wounded footprints. / Saliva, puddle, dream. / Downward stripped feet / Upward nailed feet. / From bit to bit branches. / From bit to bit the seam splinters / Saliva. Eye. Larva. / Saliva. / Puddle. / Dream.»).
Moshe adota um discurso de matriz pós-colteaneana (nos saxofones e na flauta), Filiano é um contrabaixista com uma voz sempre interventiva (quer em pizzicato quer, sobretudo, no seu notável trabalho com arco), mas é Pietaro a maior surpresa, assumindo um papel central na construção de ambientes e texturas, seja no vibrafone ou nas percussões, sublinhando e contrapondo com critério e bom gosto.
Uma gravação pouco habitual e desafiante, que tresanda a Nova Iorque.
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Signs (SLAM)
Erika Dagnino Quartet
Erika Dagnino (poesia, voz); Ras Moshe (flauta, saxofones tenor e soprano); Ken Filiano (contrabaixo, efeitos); John Pietaro (vibrafone, glockenspiel, caixa, tom-tom, sinos, címbalos suspensos, triângulo, carrilhão, shaker)