João Hasselberg: “Whatever it is You're Seeking, Won't Come in the Form You're Expecting” (Sintoma Records)
Sintoma Records
“Whatever it is You're Seeking, Won't Come in the Form You're Expecting” é o disco de estreia na condição de líder de João Hasselberg, músico que se tem dividido por diversos projetos, em múltiplos contextos estéticos, o que lhe confere maturidade e experiência assinaláveis.
Se já lhe conhecíamos atributos enquanto instrumentista de amplos recursos, tomamos agora contacto mais profundo com a sua vertente de compositor inspirado. O disco compila música composta ao longo de um ano e que resulta do processamento de leituras que foi entretanto fazendo, do que ficou na pós-leitura (o próprio título é uma citação retirada de “Kafka à Beira-Mar”, livro do japonês Haruki Murakami). Hasselberg tenta recriar as sensações vividas enquanto leitor, o que ajuda a fazer luz sobre o contraste das peças incluídas no programa.
Não escreveu para cinema, mas acaba por concretizar esse desejo latente em algumas das composições, que assumem um evidente cunho cinematográfico, sendo possível a quem escuta construir mentalmente as imagens ausentes. Concorre para esta dimensão visual o trabalho gráfico de Camila Beirão dos Reis, que traz à memória o trabalho seminal do escultor Jorge Vieira.
Na escrita de Hasselberg, de apurado sentido melódico, confluem referências que espelham uma mente criativa e de horizontes largos, que combina o rigor da linguagem do jazz com a elegância e a sofisticação de uma certa pop, à mistura com elementos derivados da música clássica. Fugindo a compartimentações estanques, ressalta claro que entende a música como um todo, posicionando-se como alguém capaz de integrar esse todo e de se moldar ecleticamente.
Tem ainda a felicidade de se fazer acompanhar por alguns dos músicos com quem mais gosta de trabalhar, de diferentes gerações e níveis de reconhecimento no panorama do jazz nacional: o pianista Luís Figueiredo, o saxofonista Ricardo Toscano, o trompetista Diogo Duque, os guitarristas Afonso Pais e João Firmino, o baterista Bruno Pedroso e a cantora Joana Espadinha. A interação que resultou desta assembleia acabou por ser uma surpresa para o próprio líder, fazendo jus ao título do disco.
O grupo que a gravou nunca tocou esta música ao vivo, apesar de alguns dos temas terem sido anteriormente rodados pelo trio do pianista grego Spyros Manesis, que Hasselberg integra. O disco abre com o solene “In Cold Blood”, de onde ressalta a sonoridade transparente do trompete de Duque – músico em claro processo ascensional – a pairar sobre uma teia urdida por guitarra (Firmino) e baixo elétrico.
Outro momento alto é “To a God Unknown” com o seu perfume folk (guitarra e Hammond) e a voz etérea de Joana Espadinha acolitada pela serenidade do trompete. Também “The Old Man and the Sea” surge aqui numa belíssima versão em trio piano-contrabaixo-bateria, bem diferente da incluída no disco “A Casa da Árvore”, de João Firmino.
Notável a versão arranjada para contrabaixo solo de “The Folks Who Live on the Hill”, tema escrito por Jerome Kern em 1937 (o único que não é assinado por Hasselberg). Nota especial para as harmonias mais angulosas de “Wild Sheep Chase” e “On the Road”, ambas marcadas indelevelmente por um Ricardo Toscano em estado de graça e pelas texturas desenvolvidas por Bruno Pedroso, prenhes de detalhes.
João Hasselberg assina um excelente disco inaugural e sobe a fasquia para o que vier a seguir.
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Whatever it is You're Seeking, Won't Come in the Form You're Expecting (Sintoma Records)
João Hasselberg
João Hasselberg (contrabaixo, baixo elétrico); Luís Figueiredo (piano, órgão Hammond); Bruno Pedroso (bateria) + Ricardo Toscano (saxofone alto); Diogo Duque (trompete); Afonso Pais, João Firmino (guitarra elétrica); Joana Espadinha (voz)