Ricardo Pinheiro: “Song Form” (TOAP/OJM)
TOAP / OJM
O país jazzístico tem-se revelado – em especial na última década e meia – particularmente pródigo em guitarristas de estirpe. Conhecido sobretudo na esfera académica como pedagogo, musicólogo e investigador, Ricardo Pinheiro tem acabado por secundarizar, por via de toda esta atividade multidimensional, aquilo que inegavelmente também é: um instrumentista e compositor de primeira água.
Dando sequência às boas indicações deixadas na estreia com “Open Letter” (2010), na catalã Fresh Sound New Talent, Pinheiro prossegue em “Song Form” o caminho de afirmação de uma personalidade musical madura, não apenas enquanto guitarrista tecnicamente dotado, mas em especial enquanto compositor e arranjador, de novo assinando a autoria da totalidade do material (exceto duas das letras).
É um facto que Pinheiro continua a garimpar território seguro, partilhando um universo de soluções com músicos nacionais de formação análoga. No essencial, o músico não abdica das premissas que já o haviam norteado na estreia: com uma escrita rigorosa e estruturada, aposta aqui no formato da “canção”, o que desde logo é denunciado no título do disco.
O seu guitarrismo permanece sóbrio e equilibrado, conseguindo combinar um abrangente conjunto de registos, espelho de uma multiplicidade de influências audíveis nas várias composições, que vão desde a tradição jazzística (trave mestra), mas também do rock progressivo e de uma certa pop sofisticada.
Para lograr os seus propósitos, reúne uma assembleia de notáveis músicos, alguns dos quais repetentes: nos saxofones estão Matt Renzi (tenor) e Jon Irabagon (alto), ao piano sentou-se Mário Laginha, no contrabaixo está Demian Cabaud e no baixo elétrico Miguel Amado. Alexandre Frazão e Vicky Marques tocam bateria e, no caso deste último, também darbuka e udu. Transversalmente, as vocalizações (com e sem palavras) de Joana Machado impregnam de forma indelével o resultado global.
Como ponto alto do disco saliente-se a beleza sentida de “Choro para Sassetti”, tributo ao malogrado pianista, com Laginha, como sempre, melodicamente cristalino. É de novo o pianista que em “Solidão” introduz um belo diálogo entre guitarra e voz. As percussões de Vicky Marques conferem um sabor étnico a “Heliotropic”, que evolui ritmicamente de forma vertiginosa, adornada por subtis efeitos eletrónicos. Já “Dirt” evoca um hard rock contaminado pelo progressivo. A elegância formal de peças como “The One in Wait” e “Bad Actress”, a par da melodia reconfortante de “Dezembro”, também são merecedoras de nota.
Um disco bastante satisfatório, que certamente só teria a ganhar se lhe fossem adicionados alguns graus de liberdade suplementares, que potenciassem a vertente de improvisador de um músico de horizontes largos.
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Song Form (TOAP / OJM)
Ricardo Pinheiro
Ricardo Pinheiro (guitarras, efeitos, “loops”); Matt Renzi (saxofone tenor, clarinete lituano); Jon Irabagon (saxofone alto); Joana Machado (voz); Mário Laginha (piano); Demian Cabaud (contrabaixo); Miguel Amado (baixo elétrico); Alexandre Frazão (bateria); Vicky Marques (bateria, darbuka, udu); Pedro Pestana (programações)