Shai Maestro, 4 de Setembro de 2023

Todos os dias é diferente, não há bom ou mau

texto: Eray Aytimur / fotografia: Caterina di Perri – ECM Records

 O israelita Shai Maestro tem-se afirmado como um dos pianistas mais talentosos da sua geração. Desde que se estreou com o seu trio em 2011, o pianista tem consolidado uma identidade musical forte, tornado-se um dos mais surpreendentes artistas do jazz atual. Neste ano de 2023 Maestro já se apresentou em Portugal por três vezes, em três contextos diferentes: a solo em Viana do Castelo (Jazz na Praça da Erva); com a Orquestra de Jazz da Universidade de Aveiro (Campus Jazz); e no festival Jazz no Parque do Barreiro, ao leme do seu quarteto com Philip Dizack (trompete), Jorge Roeder (contrabaixo) e Ofri Nehemya (bateria). O pianista levou ao Barreiro a música do álbum “Human” e, antes desse concerto, teve a amabilidade de responder às questões da jazz.pt.

 

Antes de mais, bem-vindo a Portugal! Como se sente de tocar aqui?

Muito obrigado! Eu adoro estar em Portugal. É um dos meus países favoritos do mundo e a natureza aqui é inacreditável. Vim fazer um pouco de surf e foi simplesmente de cortar a respiração! Foi também aqui que estreámos a minha obra orquestral, em julho passado [com a Orquestra de Câmara Portuguesa], e tenho uma ligação muito forte com o público português. E estou ansioso por tocar mais música esta noite e expandir essa ligação.

É um daqueles músicos que toca sempre com o impulso do momento e do estado de alma. Isso faz com que cada concerto seu seja único e irrepetível. É um tesouro para o público, mas não é um pouco desafiante para si? 

Sim, sem dúvida. Ao irmos para o palco sem uma lista de músicas e improvisar muito faz com que nos tornemos hiper presentes. Cada concerto, como dizes, é único, cada concerto é, sabes... acontece apenas uma vez! E nunca mais vai soar da mesma maneira. E o que o torna especial tem que ver com o aqui e o agora, com a energia que recebemos do público e dos instrumentos que tocamos. E a forma como o som viaja em cada palco específico e a forma como sentimos a música. Sim, é muito desafiante, mas o nível que conseguimos alcançar quando tocamos em espectáculos como este é muito maior do que se tivéssemos um plano, com os mesmos clímaxes e as mesmas dinâmicas. Portanto, é algo que só pode ser feito se houver muita confiança na banda e estou feliz e orgulhoso por poder dizer isso, confio muito nos membros da banda e eles também confiam em mim. Espero que possamos viver uma aventura diferente todas as noites, o que é ótimo.

Como é que gosta de combinar a sua identidade cultural com a sua identidade musical?

Cresci a ouvir muitos tipos de música diferentes. Antes de mais, Israel é um país de imigrantes. Por isso, aquilo a que chamamos folclórico, a música israelita vem de todo o mundo, e temos imigrantes russos e imigrantes polacos e, depois, música árabe, com a qual cresci, e búlgara, a minha avó nasceu na Roménia... Por isso, é uma espécie de salada cultural, como Nova Iorque, nesse sentido. A paleta de cores é muito vasta. Mais tarde, descobri o jazz e comecei a tocar música clássica e adoro música eletrónica, flamenco, música cubana e todo este tipo de coisas. Não penso em como misturar e combinar essas influências em algo que seja coerente, é apenas uma parte do meu ADN musical. E o que quer que saia, sai, sabes, deixo que outras pessoas o identifiquem e digam: “isto parece ser de influência flamenca” ou “isto parece ser de uma tradição árabe”. Sinceramente, não penso nisso nesta altura. Tudo o que me interessa é que a música seja honesta e orgânica e criada a partir do coração e não do cérebro. Portanto, sim. É isso.

Começou a sua carreira como pianista clássico e depois passou para o jazz. Que tipo de prós e contras encontrou ao longo dessa transição devido à relação técnica e artisticamente complicada entre as partituras e a improvisação?

A relação entre a música clássica e o jazz é muito, muito interessante. Principalmente devido à natureza improvisada do jazz e, bem, a música clássica também costumava ser improvisada, há uma coisa chamada “baixo contínuo”. Bach era um improvisador espantoso, Mozart era um improvisador espantoso, mas eles não tinham as ferramentas necessárias para documentar isso, não tinham equipamento de gravação. Por isso, a forma de o cristalizar no tempo era escrevê-lo, compô-lo, basicamente. Se formos às raízes destes tipos de música, a improvisação é uma parte importante. Agora, a diferença entre música escrita e improvisação é enorme para mim. É um estado de espírito muito diferente quando se vai para o palco. Se olharmos para a música clássica e a virmos como se estivermos a começar do 100, a partir daí só podemos fazer asneiras, esquecer notas... Com o jazz e, especificamente, com a música completamente improvisada, começamos do zero e vamos construindo. Por isso, há qualquer coisa de especial. No papel, é mais arriscado porque não se sabe o que vai acontecer, mas na verdade é mais seguro porque não se pode estragar nada e pode-se apenas desfrutar da viagem. O que é que vai encontrar hoje no jazz? Como todos os dias é diferente, não há bom ou mau, há apenas diferente e tudo é interessante. Por isso, gosto muito disso. 



Sabemos que Manfred Eicher é muito seletivo em relação ao catálogo da ECM. Como membro de uma geração mais nova, como se sente por estar a par de mestres como Keith Jarrett e Carla Bley... Como se sente em relação a isto? Orgulhoso, mas poderá ser talvez restritivo?

É uma grande honra gravar para a ECM e trabalhar com Manfred. O Keith é o meu herói! E não se trata de uma competição ou de uma classificação do género: será que estou na mesma conversa que ele neste momento? Não tem nada a ver com isso. O meu caminho é paralelo ao dele, a minha vida é paralela à dele e a todos os gigantes em que cresci. E se eu começar a pensar dessa forma, como se estivesse na mesma conversa ou fosse grande ou tivesse sucesso... estaria basicamente a prejudicar a música. A música não quer saber deste tipo de coisas. Não quer saber do sucesso na carreira e da linhagem. O conteúdo existe em si, o ofício existe em si, a única coisa a fazer é concentrar os esforços nisso, na criação. Claro que a música mais profunda soa melhor. E se isso trouxer sucesso, e as pessoas começarem a falar de mim, ou de quem quer que seja, em termos de comparação, tudo bem, é fixe, mas não é o objetivo, é a música em si. A Carla Bley, não sei bem porquê, acho que ela cria música com o coração e eu adoro a música que ela faz. É isso. 

No seu trio e noutros formatos de grupo, como pioriza as suas necessidades enquanto pianista? Quero dizer, como é que prefere que o piano seja ouvido ou que os seus colegas interajam com o piano? 

Não sei como gostaria que o piano fosse ouvido, ou como os meus colegas interagissem com o piano, isso está honestamente fora do meu controlo. Tudo o que posso fazer é abordar a música da forma mais honesta possível e o mesmo conteúdo em dois dias diferentes será compreendido de duas formas diferentes pelas mesmas pessoas. Percebe o que quero dizer? Estou agora a aprender que não sabemos realmente como a música é recebida pelas outras pessoas. É tão subjetiva e as pessoas ouvem-na num momento específico das suas vidas, com a sua história específica, e é um pouco pretensioso dizer que esta canção vai fazer alguém feliz. Eu não sei, não faço a mínima ideia. Não tenho forma de saber como se vai sentir e o que eu sinto nesse momento. Mas é essa a beleza da interação humana, nunca se sabe. Por isso, acho que este tipo de atitude está a tornar as coisas um pouco mais fáceis, porque não estou a tentar manipular os meus pares ou os meus ouvintes para sentirem alguma coisa. Só digo o que estou a tocar hoje. E sobre as prioridades dos meus requisitos como pianista, acho que ser claro é um grande requisito. Para que eu possa ser claro na minha comunicação e na minha intenção, e ser gentil e compassivo para com os meus colegas e o palco, quer seja compaixão verbal ou compaixão musical, certificando-me de que toda a gente tem espaço, para garantir que toda a gente tem uma voz igual na banda para exprimir o que quer que seja, para garantir que tudo é ouvido.

O que acha da posição que um músico deve ter em relação a questões políticas e sociais?

Acho que é muito importante tomar uma posição sobre as questões políticas e sociais, sem dúvida. Temos um alcance maior do que a maioria das pessoas. Acho que a arte é uma plataforma que deve ser usada para expressar as nossas opiniões e tentar fazer a mudança da melhor maneira. Podemos imaginar que seja assim. Não sou pretensioso ao ponto de pensar que sei qual é a direção certa, mas sei quais são as minhas crenças e a minha ética moral. E não tenho vergonha de as expressar, de as divulgar, e penso que isso é importante. Temos grandes exemplos de pessoas que o fizeram antes de nós ao longo da história, pessoas que tornaram a arte política e é inspirador não ter medo das reacções adversas e fazer parte deste ecossistema de ser humano, de ser um bom cidadão.

  

Para saber mais

shaimaestro.com

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04 Outubro

Carlos Azevedo Quarteto

Teatro Municipal de Vila Real - Vila Real

04 Outubro

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Centro Cultural de Belém - Lisboa

04 Outubro

Orquestra Angrajazz com Jeffery Davis

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

04 Outubro

Renee Rosnes Quintet

Centro Cultural e de Congressos - Angra do Heroísmo

05 Outubro

Peter Gabriel Duo

Chalé João Lúcio - Olhão

05 Outubro

Desidério Lázaro Trio

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05 Outubro

Themandus

Cine-Teatro de Estarreja - Estarreja

06 Outubro

Thomas Rohrer, Sainkho Namtchylak e Andreas Trobollowitsch

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06 Outubro

Lucifer Pool Party

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06 Outubro

Marta Rodrigues Quinteto

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