Tammy Weis, 3 de Julho de 2023

Sussurrar os milagres de Pessoa

texto: Eray Aytimur

A cantora Tammy Weis acaba de editar o novo álbum Soul Whisper”, inspirado na poesia de Fernando Pessoa. Natural do Canadá e radicada em Lisboa há mais de 10 anos, Tammy apresenta-se regularmente como cabeça-de-cartaz em salas de espectáculos de todo o mundo. Cantou e colaborou com nomes como Michael Bublé, Jamie Cullum, Bobby McFerrin e Randy Bachman, além do nosso Rui Veloso. Em 2007 lançou o álbum “Legacy” (33Jazz) e em 2010 editou “Where I Need To Be” (Boomtang), com temas originais, escritos em conjunto com o produtor Terry Britten (vencedor de um Grammy) e o pianista Tom Cawley. Para o novo “Soul Whisper”, Tammy Weis compôs onze temas usando a poesia de Pessoa originalmente escrita em inglês ou traduzida para essa língua.

Weis define este disco como a «construção de uma paisagem sonora orientada para a folk, mas sempre com influências do jazz», que são suas raízes musicais. O processo foi intenso: «Fernando Pessoa mudou a maneira como penso e vivo minha vida. Ele despertou emoções em mim que eu não sabia que tinha. Uma vulnerabilidade na minha voz que eu nunca tinha ouvido antes». Além de Rui Veloso, que é produtor do disco e toca em todos os temas, também estão presentes o aclamado contrabaixista Carlos Barretto (que, juntamente com Veloso e Weis, fez os arranjos), o espanhol Antonio Serrano, mestre da hermónica, e a lenda canadiana do pop-rock Randy Bachman (membro dos The Guess Who e co-autor do sucesso “American Woman”, popularizada por Lenny Kravitz), entre outros. Um dos temas, “Hope”, foi co-escrito por Terry Britten (autor de vários sucessos para artistas como Tina Turner, Michael Jackson ou Dusty Springfield). Após o concerto de lançamento do disco no CCB, a 31 de maio, aproveitámos a oportunidade para conversar com Tammy sobre seu álbum novo, onde a obra poética de Fernando Pessoa foi musicada e interpretada pela primeira vez por uma voz estrangeira.

 

Vamos começar pelo início. Quando foi a primeira vez que esteve em Portugal e como foi o seu primeiro contato com Pessoa? 

A minha primeira vez em Portugal foi há cerca de dez anos. Estive duas semanas de férias no Algarve. E apaixonei-me pelo país, pelas pessoas, pelo sol, pelas praias, pela comida, pelo vinho. Naquelas duas semanas, eu criei uma nova vida. Conheci pessoas incríveis que se tornaram como uma família. Continuei a regressar, por várias vezes, até finalmente ir viver para Lisboa. Numa das minhas primeiras visitas, entrei aleatoriamente numa galeria de arte em Alfama que estava cheia de pinturas de Fernando Pessoa. O pintor residente sugeriu que eu criasse música para os poemas de Fernando Pessoa. Eu disse: “Quem é Fernando Pessoa?” Ele disse: “Olhe ao seu redor...”, e minha jornada começou aí. 

Quanto tempo levou para encontrar a motivação para transformar os poemas de Pessoa no seu próprio “Soul Whisper”?

Fiquei fascinada desde o início! Senti uma conexão muito forte com as suas palavras. Fizeram-me pensar sobre a vida de uma maneira diferente e eu estava motivada a aprender mais a cada dia. Pesquisei centenas, se não milhares, de poemas para encontrar os poemas perfeitos que tocaram meu coração. Muitos poemas de Fernando Pessoa têm a palavra “alma”. Ele era uma pessoa muito espiritual e senti que a palavra “alma” era muito importante no seu trabalho, juntamente com “sussurro”. Cheguei ao título “Soul Whisper” porque houve muitas coincidências inexplicáveis, momentos de serendipidade... Eu chamo-lhes de “milagres de Pessoa”, que aconteceram naturalmente. Era como se houvesse algo no vento... sussurrando para me lembrar de continuar o meu caminho. 

Como fez a pesquisa para selecionar os poemas, obter os direitos de autor e finalizar o alinhamento? 

A Casa Fernando Pessoa ajudou-me muito. Sou muito grata a todos lá pela sua paciência e apoio. Nos poemas que escolhi, senti uma conexão instantânea e ouvi melodias e música. Foi uma experiência emocional. Escrevi mais de 25 músicas e depois escolhi aquelas com as quais me senti mais fortemente conectada. Foi um processo muito emocional para mim, e eu tinha tantas músicas... Acho que algumas músicas se destacaram automaticamente. Eu tinha reduzido para 20 músicas quando comecei a trabalhar com o Rui Veloso [produtor do disco] e ele ajudou muito no processo de seleção, porque senti que estava muito emocionalmente envolvida para tomar essa decisão, então sou grata a ele por isso, e ele tinha uma visão clara do que ele queria que o álbum fosse.

Como foi o processo de composição? Nem sempre é fácil transformar poemas em canções. Como trabalhou essa transformação? 

Para mim, foi ouvir a melodia imediatamente quando li os poemas, sentir a emoção e a vibração. As últimas quatro ou cinco músicas que escrevi no ukulele foram as mais fortes para mim. O Luís Miguel Rosa Dias, sobrinho de Fernando Pessoa, deu-me um maravilhoso livro de poesia em inglês e disse: “Certamente haverá algumas coisas boas aqui, algumas pérolas”. E estava absolutamente certo! Eu conseguia ouvir a música e estava num lugar muito inspirador na época. Foi lá que fiz a solicitação de bolsa do Conselho de Artes do Canadá para financiar o álbum, que foi aceite. Foi uma casa de sorte para mim. O João faleceu desde então, mas serei eternamente grata a ele e à sua linda casa inspiradora.

Como conheceu o Rui Veloso e como combinaram trabalhar juntos?

Eu costumava participar num almoço de grupo semanal com o Luís Miguel Rosa Dias, sobrinho de Fernando Pessoa. Era um grupo incrível de pessoas que também se tornaram família. Uma pessoa desse grupo convidou-me para a festa de aniversário de um amigo dele e perguntou-me se eu poderia cantar com a banda. Um dos convidados era o Rui Veloso. Começámos a conversar e contei-lhe sobre o projeto. E ele convidou-me para ir ao seu estúdio. Ouviu as faixas e decidiu produzir o álbum. Fiquei radiante. 

Vamos falar também sobre a musicalidade deste álbum. Como escolheram cada um dos músicos neste álbum e com que critérios?

Eu tenho tocado com o Carlos Barreto e o Tony Pinto há alguns anos. Depois, o Rui incluiu o Alexandre Manaia e o João Ferreira. Eles são músicos incríveis. Além disso, o Rui convidou o Antonio Serrano, um brilhante tocador de harmónica espanhol, e, é claro, temos o Luís Guerreiro na guitarra portuguesa, juntamente com o João Só na guitarra, o Carlos Miguel Antunes e o Jorge Rogue. O Rui e eu fomos ao Canadá para gravar com o Randy Bachman e o Tal Bachman. Sinto-me muito, muito grata por trabalhar com um grupo tão incrivelmente talentoso. Eu co-escrevi uma das músicas, “Hope”, com Terry Britten, que ganhou um Grammy por produzir o álbum de regresso da Tina Turner e co-escreveu “What's Love Got to Do with It” e já trabalhou com artistas incríveis. Descanse em paz, querida Tina! Queria mencioná-la, ela fez tanto pelas mulheres com sua coragem e bravura, em todos os aspectos de sua vida, não apenas na indústria da música! Ela vai fazer falta. E, é claro, o Rui também toca no álbum e fez um trabalho incrível como intérprete e produtor. Estou muito grata!

Vindo principalmente do jazz, como definiu o som e o universo musical deste álbum?

Definitivamente, há músicas com influências de jazz. Além disso, venho também da country. Sou descendente de pelo menos cinco gerações de músicos country. Chamaram-me Tammy em homenagem a Tammy Wynette, a cantora country, por isso essa é uma influência muito forte para mim, juntamente com a folk, uma parte muito importante da música canadiana também. Queria incorporar influências do Canadá e combiná-las com influências de Portugal, então o Rui adicionou belos sons de Cabo Verde, bossa nova e fado com a guitarra portuguesa. Outro dia, estava a pensar que cada música tem seu próprio caráter distinto. Assim como Fernando Pessoa e seus heterónimos, eles têm sua própria força vital. É um rica tapeçaria de diferentes tipos de música, o que era exatamente o que eu queria. O Rui e eu trabalhamos juntos, e sinto que é uma mistura maravilhosa de culturas. 



Como foi o planeamento e gravação?

Gravámos o álbum antes da pandemia, por isso tivemos muita sorte, pois o álbum já estava gravado e pronto, mas a minha primeira tentativa de lançamento do álbum foi cancelada por causa da pandemia e depois tentámos outro lançamento em novembro passado e, infelizmente, o meu pai faleceu, por isso acabámos por remarcar novamente para 31 de maio.

Sendo um primeiro artista estrangeiro a criar música a partir de Fernando Pessoa, acha que pode vir a ser alvo de críticas devido a preconceito? Como lidaria com isso?

Sempre que alguém cria algo, há pessoas que vão gostar e pessoas que não vão gostar. Trabalhei muito como artista e como compositora e falei com a equipa da Casa Fernando Pessoa para pesquisar e honrar o legado de Fernando Pessoa. Também tenho o apoio total da família de Fernando Pessoa. O meu objetivo é ajudar a levar a obra de Fernando Pessoa a outras partes do mundo. Richard Zenith tem sido fantástico. A sua biografia de Fernando Pessoa foi incluída na lista de bestsellers do New York Times e, certamente, Fernando Pessoa está a ser cada vez mais reconhecido na Grã-Bretanha e não só. Espero que este álbum faça com que as pessoas pensem na vida de forma diferente e que as palavras de Fernando Pessoa mudem as pessoas como me mudaram a mim. Também espero que a música inspire as pessoas. Aprendi muito sobre mim própria durante este processo e cresci imenso, aprendi a ter paciência pela primeira vez e sou uma pessoa diferente agora. Estou grata a Fernando Pessoa por me ter ensinado tantas coisas.

O álbum foi apresentado num concerto no CCB, em Lisboa, a 31 de maio. Tem mais concertos marcados, em Portugal ou no estrangeiro? 

Vou atuar nos Açores no dia 29 de junho para a Embaixada do Canadá e tenho dois concertos em agosto no Canadá a confirmar. Também vou estar na Festa dos Anos de Álvaro de Campos na Igreja da Misericórdia, em Tavira, no dia 22 de outubro e vou ter mais datas em breve. Gostaria de incluir a minha banda portuguesa neste processo, tanto quanto possível. Estou incrivelmente orgulhosa deles e sinto-me muito afortunada por tê-los comigo nesta viagem. São músicos incríveis e trazem o amor de Portugal e uma bela musicalidade para o projeto.

De acordo com a sua experiência, quais são os elementos que nos fascinam quero dizer, aos não portugueses sobre Portugal que os nativos nunca conheceram?

Fico impressionada com a bondade do povo português. É um país muito humilde, amável e carinhoso e também muito prestável. Adoro o facto de a hora da refeição ser como uma celebração. Na maioria das vezes, na América do Norte, comíamos na nossa secretária, se é que almoçávamos. Adoro isso em Portugal – eles celebram o tempo com a família e os amigos de uma forma que outros países não fazem.

Tem alguma ideia para criar mais música sobre poetas ou autores portugueses?

De momento, penso que poderia ter mais um ou dois álbuns de material com Fernando Pessoa. Também tenho estado a escrever um novo álbum de originais inspirado em Fernando Pessoa e no meu tempo aqui. Também tenho estado a falar com um poeta canadiano sobre a composição de música para a sua poesia. Por isso, fiquem atentos!

 

Para saber mais

tammyweis.com

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