Liberdade e espontaneidade
O baterista João Lencastre é um dos músicos mais ativos e versáteis da cena nacional. Um dos seus projetos mais recentes é o “Free Celebration”, em que homenageia Thelonious Monk, Herbie Nichols e Ornette Coleman, num grupo onde está acompanhado por João Lopes Pereira, Nélson Cascais, João Bernardo, Ricardo Toscano e Pedro Branco – o grupo vai tocar no Julho é de Jazz do gnration, em Braga (13 julho). O baterista vai atuar no Jazz no Parque de Serralves, no Porto, com dois projetos: em trio com Tony Malaby e Michael Formanek (dia 2 de julho) e ao leme do seu grupo Communion 3 (com Formanek e Jacob Sacks, no dia 8, e atuam também na SMUP na noite anterior). E vai marcar presença no maior festival da capital, o Jazz em Agosto, com o seu projeto “Safe in your own world” (31 de julho). Estivemos à conversa com o baterista sobre estes seus projetos mais recentes.
Comecemos por falar sobre este projeto “Free Celebration”. Aqui trabalhas interpretações de temas de três figuras maiores da história do jazz: Thelonious Monk, Herbie Nichols e Ornette Coleman. Porquê a escolha destes três nomes?
São três dos músicos/compositores que mais gosto da história do jazz, e acho que os temas ligam muito bem entre si.
Neste grupo contas com João Lopes Pereira, Nélson Cascais, João Bernardo, Ricardo Toscano e Pedro Branco. Porque escolheste cada um destes músicos? O que é que cada um acrescenta à tua música?
São bons amigos, músicos que eu admiro e com quem já toquei em diferentes ocasiões. O que espero sempre de cada músico é ser surpreendido, e que cada um traga a sua personalidade. Neste projeto, os arranjos não fogem muito do original e é o “input” de cada um que dá uma “frescura” às composições. Já há muito que queria fazer um projeto com duas baterias e achei que esta era a oportunidade para o fazer. O João Pereira tem não só um grande conhecimento da tradição mas é também bastante aberto a todo o tipo de música improvisada, e achei que fazia todo o sentido convidá-lo para este projeto. Outro elemento também um pouco diferente é a presença de sintetizadores em vez do piano. O João Bernardo é não só um excelente pianista, mas tem também muita experiência a tocar sintetizadores e pedi-lhe para explorar sobretudo uma abordagem mais “textural” e sónica, para contrastar com o sax e com a guitarra.
Como tens sentido a evolução deste grupo? Há planos para gravação de disco?
O som de banda tem vindo a melhorar a cada concerto, como seria de esperar. Se assim não fosse acabava com o projeto! [risos] A interpretação dos temas é sempre bastante espontânea, dependendo da sala e do momento, e acontece sempre algo de novo e inesperado, que é para mim uma das coisas mais importantes, desafiantes e ao mesmo tempo gratificantes no jazz. O plano é fazer mais uns concertos para rodar e depois gravar.
Tens tocado com o contrabaixista Michael Formanek e o saxofonista John O’Gallagher, dois músicos norte-americanos que estão a viver em Lisboa. Como tem sido esta experiência de trabalho com eles?
Conheci o John há mais de um ano através de um amigo em comum, o saxofonista Noah Preminger, que estava cá de visita. Descobrimos que morávamos literalmente a dois minutos um do outro, e desde então desenvolvemos uma relação de amizade e tocámos por diversas vezes, tanto em sessões como em concertos. Com o Michael toquei pela primeira vez em fevereiro passado, ainda antes de ele se mudar de vez para Lisboa. Fizemos dois concertos, um no Cosmos e outro nas Carpintarias de São Lázaro que correram muito bem (existem pequenos excertos no YouTube). São músicos incríveis, é um privilégio ter a oportunidade de tocar com eles e espero que continuemos a tocar, a desenvolver um som de grupo e eventualmente gravar.
Vais tocar num trio inédito, com Tony Malaby e Michael Formanek no Jazz no Parque de Serralves. Atuam também em quarteto, na ZDB, juntando-se o Rodrigo Amado. O que poderemos esperar destes concertos? E em que medida serão diferentes entre si?
Nunca toquei com o Tony, mas sou fã dele há muitos anos. Ouvi-o pela primeira vez no disco “Adobe” (com o Paul Motian e o Drew Gress), e uma curiosidade engraçada é que foi o Rodrigo Amado que me recomendou esse disco. São todos músicos que eu adoro e, dos concertos, espero o inesperado que é o que mais me fascina nesta música. Ao serem formações diferentes (trio e quarteto), o leque de combinações possiveis varia, e inevitalvelmente a música explora sonoridades e texturas diferentes
Vais tocar em Serralves também com um outro trio, com Michael Formanek e o pianista Jacob Sacks. Como será este concerto? A tua ligação ao Sacks já vem de longe, ele já gravou nos teus discos…
Vamos fazer três datas, dia 6 no estúdio Timbuktu, dia 7 na SMUP e dia 8 no Jazz no Parque de Serralves. Vamos tocar muita música nova que estou a escrever para o trio e algumas composições dos discos “Songs of Hope” e “Movements in Freedom” (ambos edição Clean Feed). Conheci o Jacob em 2004, numa passagem com o grupo do David Binney por Portugal e tocámos alguns temas numa jam session no Hot Clube. Só tocámos “mais a sério” alguns anos mais tarde para a gravação do meu disco “Sound It Out” (TOAP). Desde então temos vindo a tocar por diversas vezes tanto em estúdio como ao vivo, entre Portugal e Nova Iorque. O Jacob e o Michael também já tocaram e gravaram inúmeras vezes, têm uma grande cumplicidade musical e estou com boas expectativas para estes concertos.
No ano passado tocaste no Jazz em Agosto com o teu grupo “Unlimited Dreams”. Como foi essa experiência?
É sempre uma experiência muito especial tocar no anfiteatro ao ar livre da Gulbenkian. Foi uma noite mágica onde tudo correu da melhor maneira possível. O Festival Jazz em Agosto tem uma energia ímpar, já lá vi dezenas de concertos incríveis, sempre com um ambiente muito inspirador tanto para os músicos como para o público.
Esse disco foi também distinguido como o melhor álbum jazz nos Prémios Play, uma cerimónia de entrega de prémios que chega ao grande público. O que significou essa distinção?
É acima de tudo o reconhecimento da entrega e dedicação que tenho com a música. Quem o faz sabe bem o longo e trabalhoso processo que é escrever e gravar um disco, e estas distinções são as pequenas grandes coisas que me dão motivação para continuar.
Este ano vais tocar com o quarteto que gravou o disco “Safe in your own world”. E qual é a expectativa para o concerto deste ano, com Leo Genovese, Drew Gress e Pedro Branco?
Espero que seja mais uma noite mágica, o que com estes músicos não é uma coisa difícil de fazer acontecer. A gravação do disco foi uma das experiências de estúdio mais espontâneas e rápidas que já tive. Gravámos tudo em menos de 3 horas e os takes escolhidos, à exceção do tema de abertura “Staying Power”, em que mudámos o arranjo inicial, foram os primeiros. É o que espero para este concerto: espontaneidade, imprevisibilidade e muito power!
Em que outros projetos estás atualmente envolvido?
Num quarteto com o John O'Gallagher, o Samuel Gapp e o Zé Almeida; o trio com o Rodrigo Amado e o Hernâni Faustino, que por vezes também é um quarteto com o Samuel Gapp; o quarteto do Pedro Sousa com o André Hencleday e o Hernâni Faustino; e o trio de standards e alguns originais do Ricardo Pinheiro com o Miguel Amado. Há vários outros, mas estes são os que de momento estão mais ativos.
Que discos tens planeado gravar e lançar nos próximos tempos?
Gostava muito de conseguir gravar e editar o “Free Celebration” muito em breve. Um novo disco com o octeto (de “Unlimited Dreams”) também é outro projeto que gostava de dar continuidade. Talvez também outro disco em trio, com os temas que estou a escrever para tocar com o Jacob e o Michael. E uma coisa bastante diferente que tenho estado a compôr e a produzir nos últimos anos, que é um projeto com uma vertente mais dançável e eletrónica, e que também pretendo editar em breve.
És dos poucos músicos que estão igualmente à vontade quer no mundo do jazz quer no mundo da música livremente improvisada. Estes mundos estão habitualmente afastados e são poucos os músicos que trabalham em ambos os campos, com ótimos resultados em qualquer um deles. Como vês esta falta de ligação entre entes dois universos musicais?
Acho que se trata apenas de uma opção. Eu faço-o porque gosto realmente dos dois universos, e acho até que estão mais ligados do que se pensa... no fundo é apenas música e a liberdade, e a espontaneidade, está (ou devia estar) presente em ambas as linguagens.
És um dos músicos mais ativos da cena, com enorme experiência. Como vês o atual momento da cena música nacional?
Acho que está cada vez melhor, e com vários músicos da nova geração a tocarem muito bem, com uma grande abertura às diferentes linguagens da improvisação, e com bases sólidas da tradição.