Improvisação como base de tudo
A britânica Rachel Musson (nasceu no sul do País de Gales, vive em Londres) é uma saxofonista que tem explorado o universo da improvisação livre, mas desenvolve também trabalho de composição. Tem alimentado inúmeras colaborações e vem trabalhando com músicos como Mark Sanders, Pat Thomas, Hannah Marshall, Julie Kjaer, Corey Mwamba, Olie Brice, Alex Ward e Alex Hawkins, entre outros. Em Lisboa, Musson vai apresentar-se em palco com os Black Top, duo formado por Orphy Robinson e Pat Thomas, no Teatro do Bairro Alto (30 de junho). Antecipando essa atuação em território nacional, estivemos à conversa com a saxofonista.
Trabalha como saxofonista, compositora e improvisadora. Qual é a parte favorita do seu trabalho?
Acredito que a resposta a essa pergunta vá mudando dependendo daquilo em que estou envolvida em cada momento. Acho que a improvisação é a base de tudo o que faço, seja a tocar saxofone ou a compor. Recentemente, tenho desenvolvido um processo composicional que se baseia na minha prática de improvisação, em vez de vê-la como algo separado. Mas nada supera a improvisação ao vivo com outros músicos, sem saber o que vai acontecer a seguir, trabalhando juntos para encontrar um caminho, aprendendo a confiar em si mesmo e nos outros no momento.
Como foi o seu primeiro contato com o saxofone e como foi a evolução da sua ligação com o instrumento?
Na verdade, comecei com a flauta, mas depois mudei para o saxofone quando era adolescente. Na época, era um instrumento bastante incomum, poucas pessoas tocavam no sul do País de Gales, onde cresci. Lembro de ouvir trechos de saxofone em músicas pop na época, mas logo descobri o jazz e comecei a ouvir isso. Comecei no sax alto, mas mudei para o sax tenor na minha juventude. Eu adoro o instrumento, é muito versátil e permite que o músico encontre o seu próprio som. Com o tempo, tenho explorado mais a sonoridade, interessando-me mais pelas propriedades timbrísticas do instrumento.
Consegue identificar qual foi o momento decisivo para encontrar sua própria voz musical?
No final dos meus vinte anos, parei de tocar durante algum tempo e, quando volteu a pegar no instrumento novamente, percebi que teria de o fazer nos meus próprios termos. Ter feito essa pausa foi bastante disruptivo de várias maneiras, e permitiu-me dar um passo atrás e questionar como realmente queria tocar.
Quais músicos (saxofonistas ou não) reconhece como influências na sua maneira de tocar e criar música?
Ah, uma infinidade de pessoas! E isso mudou muito com o tempo. As influências iniciais incluíam Coltrane, Lee Konitz, Dexter Gordon, Jan Garbarek. Depois vieram Dewey Redman, Henry Threadgill, Arthur Blythe, e mais tarde Matana Roberts e músicos do Reino Unido, como Alan Wilkinson, Steve Beresford, Mark Sanders. Este ano tenho apreciado Lea Bertucci, Jobina Tinnemans, Simon McCorry.
Como descobriu o mundo da improvisação livre? Quais foram os primeiros álbuns que a cativaram?
Há uma cena de música improvisada livre muito ativa em Londres, e eu fui muito influenciada ao ouvir ao vivo os incríveis músicos que tocam por lá. Há concertos fantásticos que se podem assistir várias noites por semana em Londres. Seria difícil listar todos, mas inclui pessoas como Hannah Marshall, Alex Ward, Alan Wilkinson, Steve Noble, Steve Beresford, John Edwards, Mark Sanders, Angharad Davies, Pat Thomas... E poderia continuar... Em termos de álbuns, ao mesmo tempo em que estava a ouvir de forma mais ampla, encantei-me em particular com o “Momentum Space” (Dewey Redman, Cecil Taylor e Elvin Jones) e o “Topography of the Lungs” (Evan Parker, Derek Bailey e Han Bennink).
Tem trabalhado com muitos músicos, como Mark Sanders, Pat Thomas, Hannah Marshall, Julie Kjaer, Corey Mwamba, Olie Brice, Alex Ward e Alex Hawkins. O que considera que tem ganhado com essas colaborações?
As minhas colaborações continuadas com o Mark Sanders e com o Olie Brice parecem desenvolver relacionamentos. Toquei com o Mark e o Olie muitas vezes e em diferentes formações, o que nos permitiu desenvolver muita confiança e profundidade nos nossos trabalhos musicais. O Pat é simplesmente um génio e é um prazer tocar com ele. A Hannah e a Julie são músicas maravilhosas e temos este trio adorável, que é um pouco mais difícil de reunir atualmente, devido à distância geográfica, mas esperamos conseguir alguns concertos em festivais, porque é um trio muito especial que adoraríamos continuar. Acredito que neste trio, com a Hannah e a Julie, adquiri uma abordagem mais “espaçosa” para tocar. O Alex Ward é espetacular a improvisar, adoro tocar com ele, e as suas composições são muito bem elaboradas, pelo que é muito gratificante tocar sua música. Também foi ótimo tocar as composições do Alex Hawkins, outro ótimo compositor. Adoro tocar com o Corey e lamento o fato de ele ter decidido se retirar-se da música ao vivo, mas espero que nos possamos voltar a reunir e tocar no futuro.
Como compositora, que características pretende transmitir com a sua música?
Vejo a composição como uma oportunidade de estruturar e orquestrar músicos improvisadores. Estou ciente de que isto é um pouco contraditório! Mas, quando funciona, às vezes adiciona algo ao processo. Acredito que alguns improvisadores apreciam as limitações dos parâmetros em alguns momentos, e isso pode acrescentar algo novo à música. Recentemente, tenho trabalhado num projeto de estúdio usando gravações de campo e gravando e sobrepondo o meu som. Sinto-me atraída por uma abordagem bastante eclética que justapõe a exploração sonora com a melodia e a harmonia.
Lançou o álbum solo “Dreamsing”, com edição da 577 Records. O que representou a edição deste álbum?
O disco “Dreamsing” foi um esforço para reunir aquilo que eu sentia que minha forma de tocar solo tinha chegado, naquele momento. Foi o resultado dos anos anteriores de prática solo. A 577 Records incentivou-me generosamente a trabalhar num projeto solo e comecei a gravá-lo logo antes da pandemia. Quando a pandemia apareceu, um projeto solo parecia ser um bom caminho!
Em Lisboa, vai tocar no Teatro do Bairro Alto com Black Top (Orphy Robinson e Pat Thomas). Quais são suas expectativas para essa apresentação ao vivo?
Estou a tentar não ter muitas expectativas! O Orphy e o Pat têm uma tendência para virar todas as expectativas ao contrário, então o melhor ir com a mente aberta e simplesmente permitir que a música aconteça.
Historicamente, o saxofone tem sido considerado um instrumento “masculino”, mas cada vez há mais mulheres a destacarem-se no instrumento, em diferentes géneros, como Lakecia Benjamin, Nubya Garcia, Melissa Aldana, Camila Nebbia, Mette Rasmussen e Maria Grand, entre outras. Tem acompanhado a carreira destas saxofonistas? Como vê essa evolução?
Conheço algumas dessas saxofonistas e já me cruzei com a Mette algumas vezes. Também existem muitas outras saxofonistas mulheres que não estão mencionadas nessa lista - é ótimo ver mais mulheres a tocar todos os instrumentos nos dias de hoje. Acho que ver mulheres a tocar ajuda a incentivar as mais jovens a envolverem-se na música. Tem sido inspirador ver a Ingrid Laubrock, uma contemporânea minha, a destacar-se na sua carreira e, quando comecei a tocar música improvisada, vi Lotte Anker como uma inspiração. Atualmente, não costumo prestar tanta atenção ao género dos músicos, o que acredito ser evidência de que há um campo de atuação mais nivelado no mundo da improvisação livre.
Em quais projetos musicais está envolvida atualmente?
No momento, acabei de concluir um projeto solo que surgiu a partir de uma bolsa do Arts Council England. Chama-se “Ashes and Dust, Earth and Sky” (“Lludw a llwch, daear a nef”), e estou a trabalhar num lançamento independente ainda este ano. É um álbum de estúdio, composto com gravações de campo e sobreposições, por isso o meu próximo projeto será descobrir como executar isto ao vivo!
Que projetos tem planeado para um futuro próximo?
O meu principal projeto nos próximos meses é o lançamento deste álbum e explorar a performance ao vivo desse trabalho solo. Estou ansiosa para partilhar essa música nova e ver para onde isso me levará. Ao mesmo tempo, continuarei a tocar ao vivo com improvisadores, o que também é um projeto importante por si só.